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Terror em Angola -15 de Março de 1961

Avatar do autor Jota.Coelho, 15.03.25

Guerra em Angola - Foi há 64 anos

   No contexto de mais um aniversário da guerra do ultramar, deixamos alguns apontamentos importantes para melhor entendermos os contornos de uma guerra que transtornou a vida de milhões de portugueses, provocou centenas de milhares de traumatizados, deixou dezenas de estropiados, cerca de dez mil mortos e milhões de famílias numa onda de incertezas e vidas suspensas. Noventa por cento da população jovem masculina foi mobilizada para a Guerra do Ultramar.

   Apesar das perturbações na vida da população portuguesa do continente e das colónias, os gastos no esforço de guerra provocaram um grande desenvolvimento económico e social, com a modernização das infraestruturas e novas indústrias.

   Perante o mundo, Portugal ficou bem posicionado em termos de organização e inovação na economia de guerra, na indústria do armamento, na logística e administração da máquina de guerra em três zonas distintas e afastadas do continente. Sendo as tropas portuguesas amplamente admiradas pela sua eficácia, resistência e poder de adaptação às diversas circunstâncias do terreno e do clima.  

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- Revolta no Cassange

   As mais graves escaramuças entre tropa portuguesa e os agricultores de algodão da Baixa do Cassange começaram na sequência de vários protestos por causa dos fracos salários pagos aos trabalhadores; estes entraram em greve por tempo indeterminado, tendo sido violentamente atacados por efectivos da polícia e do Exército. As aldeias da população da zona foram queimadas pelas bombas lançadas por aviões e os tumultos alastraram às fazendas de algodão da companhia algodoeira Cotonang (empresa alemã e belga), culminando com a chacina de milhares de trabalhadores e seus familiares. Os indiciados cabecilhas da rebelião foram presos e fuzilados na região de Gabela. As tropas metropolitanas em serviço em Angola (cerca de 1.700) participaram na repressão aos manifestantes, colaborando com a polícia e tropas locais (cerca de 5.000 efectivos indígenas).  

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- Em Fevereiro de 1961: Assalto às prisões de Luanda

   Com os poucos efectivos de segurança ocupados na região do Cassange, a agitação foi-se agravando em Luanda onde os revoltosos assaltaram a Casa de Reclusão Militar, tendo morrido um cabo; pretendendo soltar os seus dirigentes presos nas cadeias, os bandidos assaltaram a esquadra de S. Paulo, da Polícia de Segurança Pública, e a repartições do estado. Na refrega, foram mortos sete agentes da polícia que caíram numa cilada dos revoltosos e, em consequência, os colonos armados caçaram e lincharam vários assaltantes. No dia do funeral dos polícias, os desacatos começaram nas ruas e acabaram nos muceques, onde os colonos mataram muitos indígenas.

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- Em 15 de Março de 1961 : Início do terror

   Tiveram início os massacres, organizados pela União das Populações de Angola (UPA de Holden Roberto de origem Bakongo) e por militares congoleses, onde foram mortos e mutilados alguns milhares de colonos brancos e empregados negros, nas fazendas do café; especialmente nas zonas dos Dembos, Negage, Úcua, Nambuangongo, Zala, Quitexe, Nova Caipenda, Ambriz, Maquela do Zombo, Madimba, Luvaca, Buela e outras. 

   Em consequência, mobilizaram-se meios terrestres e aéreos para socorrer os residentes nas zonas ameaçadas, muitos dos quais conseguiram chegar a Luanda com os familiares. A escassez de efectivos militares obrigou a um desmesurado esforço para chegar aos pontos mais necessitados. As autoridades perderam o controlo das vias de comunicação para toda a zona Norte, onde foram destruídas pontes, obstruídas as estradas com derrube de árvores e abertura de valas. Alguns grupos de camionistas que tentaram avançar na direcção dos Dembos, tiveram que regressar por encontrarem as estradas cortadas; outros mais afoitos, caíram em emboscadas e foram mortos a tiros de canhangulo e à catanada.

   Em 22 de Março, integrei uma equipa de jornalistas e repórteres organizada pela RTP para acompanhar as primeiras colunas de Caçadores Especiais da 6ª CC, que conseguiu chegar até Quibaxe. Daí, tomei um avião civil de reabastecimento que me levou a Luanda.

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   Na cidade organizaram-se milícias para tentar evitar que os bandidos da UPA se aproximassem com a sua sanha monstruosa. Já em Abril, os ataques traiçoeiros e selvagens, utilizando catanas e granadas, aproximavam-se de Luanda, passando pelo Úcua, onde foram assassinados mais europeus e os empregados bailundos. Defesa da barragem das Mabutas, que fornecia energia a Luanda corria sérios riscos de ser atacada; civis e militares organizaram-se para a sua defesa.

  Ainda em Março e nos meses seguintes de 1961, as tropas especiais (caçadores especiais e pára-quedistas) e alguns pelotões do Exército começaram a reconquistar povoações e fazendas, como Bembe, Maria Teresa, Quicabo, Damba, Madimba, Maquela do Zombo, 31 de Janeiro, Songo, Mucaba, Toto. Foi com alguma surpresa que vieram a constatar que o empenhamento das missões religiosas protestantes teve um grande peso na orgânica e no engajamento de indígenas para a rebelião, já que os diversos documentos encontrados nos locais das missões demonstravam a conivência entre os missionários oriundos de países como os Estados Unidos, Bélgica, Inglaterra e Países nórdicos, bastante próximos dos dirigentes da UPA, cuja sede é no Congo Belga. Numa operação na zona de Cuimba, encontrámos diversas fotografias com elementos da UPA acompanhados de representantes de organizações americanas; e, mais tarde, foram encontradas mais fotos em Madimba e Buela, onde estavam também dirigentes da UPA em festas religiosas e na sede de Leopoldeville.  

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– Envolvimento do Governo americano

   Pois, Kennedy deu luz verde para a guerra em Angola, apoiando o dirigente tribal Holden Roberto, bacongo da tribo do legendário Reino do Congo, cuja capital era Mbanza Congo, rebaptizada São Salvador do Congo pelos portugueses, que ali chegaram em 1482.

   A organização desenvolveu a actividade através de Manuel Sidney Barros Nekaka, enfermeiro na Missão Congregacional Americana do Dondi, no Huambo que, em 1942 se fixou em Leopoldville e, com apoio do pastor James Russel, organizou a União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), surgida em 1954 e dois anos depois convertida na União dos Povos de Angola (UPA). A trajectória política do clã Nekaka foi sempre acompanhada pelos americanos.

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   Holden Roberto foi criado em Leopoldville, onde foi baptizado pela Igreja Baptista e, em homenagem ao missionário americano que o apadrinhou, adoptou o nome de Holden Carson Graham. Usou ainda outros nomes como Joy Gilmore em cartas que enviou a Salazar, o que, segundo o anedotário angolano, levou o ditador a comentar: “Eles usam vários nomes para parecerem muitos”. Durante oito anos, Holden foi funcionário na administração colonial belga, mais interessado em futebol do que em política, mas, não podendo ser Matateu, aderiu ao movimento do tio em 1956. A sede da UPA no porto de Matadi, Congo-Brazaville, era frequentada por marinheiros negros americanos que introduziam material de propaganda para Angola e um desses marítimos, George Barnett, fundou no Lobito a primeira célula do movimento em Angola.

   Mais tarde, as missões protestantes americanas em Angola tornaram-se também células clandestinas da UPA e, graças aos missionários, Holden estabeleceu ligações com o American Committee on Africa, presidido por Eleanor Roosevelt, viúva do presidente Franklin Roosevelt e activistas dos direitos cívicos como o bispo Homer Jack, da Igreja Unida América e Canadá, que o apresentou ao então senador John Kennedy em Setembro de 1959. “Estive duas horas a explicar a Kennedy o sentido da nossa luta em Angola. Ele disse-me que os Estados Unidos tinham uma tradição anticolonial e não podiam continuar a apoiar o regime de escravatura em Angola. Concordámos que era preciso fazer alguma coisa para evitar que os comunistas tomassem conta do movimento de libertação de Angola”, escreveu mais tarde Holden.

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   As chatices de Salazar começaram a 20 de Janeiro de 1961, quando Kennedy entrou na Casa Branca e dois dias depois o capitão Henrique Galvão se apoderou do paquete Santa Maria e ameaçou rumar a Luanda.
Kennedy estava convencido de que o nacionalismo era a melhor alternativa ao comunismo para os povos do Terceiro Mundo e, além do apoio técnico, incluindo envio de agentes americanos para as bases da UPA, Holden Roberto foi incluído na folha de pagamentos da CIA em 1961 recebendo $6.000 anuais, o que foi posteriormente aumentado para $10.000 e depois para $25.000/ano.

   Marcello Mathias, ministro dos Negócios Estrangeiros, escreveu ao seu homólogo americano afirmando “ter razões para considerar os contactos da embaixada americana em Leopoldville com Holden Roberto como suspeitos e inamistosos para Portugal”.

   A 4 de Março de 1961, o embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, C. Burke Elbrick, informou o ministro da Defesa, general Botelho Moniz, da decisão da UPA de desencadear ataques em Angola, o Governo português menosprezou a informação.

   Na madrugada de 15 de Março, milhares de bakongos pegaram nas catanas e massacraram mais de 1.000 brancos e 8.000 trabalhadores no Norte de Angola. Os brancos improvisaram milícias, que responderam também com violências  e começou uma guerra que se prolongou por 13 anos, com responsabilidade moral de quem a decidiu ou provocou.

   Em Luanda, os brancos atiraram o carro do cônsul americano à baía, enquanto em Lisboa, em 21 de Março, houve manifestações frente à embaixada. Apesar dos protestos, o secretário de Estado Dean Rusk visitou Lisboa em 27 de Março com uma proposta de Kennedy, a independência das colónias sob a forma de autodeterminação.

   O plano dos EUA, apresentado em Agosto de 1963 pelo vice-secretário de Estado George Ball, esbarrou na inflexibilidade da resposta de Salazar: “Portugal não está à venda”. Em 1962, a CIA previa a derrota militar portuguesa em África, mas enganou-se.

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Recolha e adaptação de Joaquim Coelho, Repórter de guerra

VER:   https://picadas2.blogs.sapo.pt