Testemunho de Guerra na Guiné
Jota.Coelho, 11.03.23
Em Memória dos que “ficaram para trás”
Guiné - Guilege a Gadamael
Nestes tempos sombrios da actualidade portuguesa, é nosso dever realçar os feitos extraordinários dos antepassados, que nos podem reanimar a esperança de lutarmos com convicção para melhorarmos o rumo da nossa vida colectiva, dentro duma nação com história e valores de dimensão mundial.
Os Combatentes, portugueses nas guerras ultramarinas, foram os continuadores das memoráveis descobertas e souberam partilhar muito das suas vivências com as populações das terras para onde foram destacados. Mas a guerra é sempre incómoda e destrutiva; pois, é natural nenhum ser humano desejar a guerra.
As lembranças da guerra fazem parte de nós… são o espólio que não conseguimos entregar no quartel aquando da desmobilização; fazem parte do nosso espólio de combatentes participantes numa guerra estranha e mal compreendida! Na embriagues do destino, fomos atirados para a guerra e confrontados com situações de espantar! Tremendas horas de sofrimento e perigos vários. Uns mais que outros, todos sentiram a mordedura da guerra nas suas vidas, tanto nos acampamentos e destacamentos espalhados entre as savanas e matas, ou nos aquartelamentos das vilas ou aldeamentos mais protegidos.
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Porque a verdade da guerra merece ser divulgada com testemunhos dos intervenientes directos, aqui fica mais um relato de quem viveu momentos de graves perigos em complicadas situações entre a vida e a morte.
Joaquim Coelho
(Combatente em Angola e Moçambique, Repórter de guerra no Vietnam e Rodésia)
Favoritos · 19 de Janeiro 2023·
Os Paraquedistas...entre TANTOS HERÓIS
Heróis de Portugal...quem foram. Quem são?
No meu ponto de vista, e na época contemporânea, foram e são ... Todos, que sob a égide da bandeira de Portugal, deram TUDO pela Pátria. E ficávamos por aqui, seria normal, mas eu quero ir mais além. Nem sempre quem pegava numa arma era ou foi, ou é o Herói, e por isso vou apenas cingir-me à Guerra do Ultramar. Jovens arrancados à força, das suas famílias, do seu lar, da sua terra, do seu emprego. Mas para podermos avalizar, temos que nos reportar a esses tempos difíceis da Ditadura, que nem todos sabiam o que era. EU não sabia. Quem fosse Patriota, apresentava-se para cumprir o difícil dever para com a Nação...como militar. Dentro desses subdividiam-se por capacidades natas ... ou não, os mancebos, uns para secretaria, outros para vagomestre, criptos, atiradores, enfermeiros, minas e armadilhas, Comandos, Fuzileiros, etc, etc.…numa interminável lista de Especialidades. Uns foram voluntários, outros escolhidos. Dentro dos escolhidos, eu fui “voluntariado para” servir nas Operações Especiais (vulgo Rangers). Acreditem, nos primeiros 15 dias em Penude Lamego, se pudesse fugir, tinha fugido, tal a dureza e terror da instrução aí ministrada. Apesar disso tudo, aguentei, e aguentei, e se depois desses 15 dias me excluíssem desse curso, preferia morrer. Nesses tempos, os “Rangers” eram sargentos e oficiais, ao contrário de todas as outras tropas, Especiais ou não.
Terminado este preâmbulo, gostaria de salientar uma coisa, eu como cabo miliciano, fui para Estremoz uns meses, e depois fui com a CCAV 8350 para o CTIG (Guiné). Aí, fomos render os Gringos Açorianos, e nos mantivemos de OUT 72 a Maio de 73. Esta data marcante, persegue-me desde então, pois foi, quando retiramos de Guileje para Gadamael, com um morto “às costas”, o motivo vou-me escusar de reportar aqui, pois as opiniões divergem, e por isso, nem perco tempo. Dessa retirada, na qual não estive presente, por motivo de andar a comandar os reabastecimentos de Cacine para Gadamael, por barco, que posteriormente seguiram em coluna para Guileje. A Data (fatídica) foi 22 de Maio de 1973, véspera do dia da Unidade de Tancos (Casa Mãe dos meus Heróis), mal eu sabia que o meu tormento, terror e Inferno, estava para começar.
Em Cacine ouvi que a guarnição de Guileje abandonou o mesmo, bem como toda a população (ver Livros Retirada de Guilege e Elites Militares), e fiquei estupefacto, seria possível? Eu apenas me atrevi a perguntar se tinha sido sublevação, ordens superiores ou traição?
Sei que já em Gadamael, começou um apocalipse de metralha e fogo, inverosímil, para um jovem furriel de 21 anos, os mortos eram aos montes, os cadáveres na enfermaria eram regados com creolina, tal a pestilência, os ataques quase ininterruptos, eram a constante, ninguém tinha nada, nem comando, com a honrosa exceção do sr Capitão Ferreira da Silva (Ranger/Comando) oficial do quadro, que nunca abandonou os seus Homens, e os comandou “debaixo de fogo”, Homem aguerrido, ladeado por um punhado de valentes, que estoicamente aguentaram TUDO, entre eles eu e o Cabo Raposo (Açoriano).
Mesmo assim, e depois de um Fiat G-91 ter largado uma bomba sobre uma Base IN, ali perto, a Força Aérea quase que estava impedida de nos ajudar, malgrado as incomensuráveis dificuldades porque passávamos. Haviam ataques em Guidage, em Gadamael, entre tantos. Eu presumo que Spínola decidiu sacrificar Guileje e Gadamael, em prol de Cacine. Guidage estava a ferro e fogo, assim o digam os Comando, Páras, Os Comandos Africanos, O Grupo do Marcelino da Mata e todos os militares envolvidos na chacina e carnificina a que fomos TODOS sujeitos, em prol de quê? 25 Abril? conluios obscuros, não sei dizer.
Em 4 de Junho, a Patrulha de que fiz parte com o Alferes Branco, caiu numa terrível emboscada a 1200 metros de Gadamael, onde duma rajada morreram 4 homens, e feridos um. Ficamos dois, prostrados a fazer fogo, numa luta perdida, e por isso resolvi ordenar a retirada.
Os quatro corpos foram resgatados pelos Paraquedistas, num estado "lastimável" ...
A situação em Gadamael era tão trágica, que, finalmente, foram enviados Paraquedistas, que estavam em Cufar, para nos apoiar, e a situação era de tal forma grave que acabou de ir para Gadamael todo o BCP. Heróis, para nós, “Tropa Macaca”, pois começaram a “bater a ZA” com risco de vida, e foram limpando gradualmente o espaço envolvente de Gadamael. Nesses períodos conturbados, fui ferido em combate, e estoicamente retirado pelos Fuzileiro, em bote, para a LFG Orion, e conduzido para Cacine, entre muitos outros feridos. Aí chegado, fui tratado, e como não era “muito grave” colocaram-me a chefiar a limpeza do Quartel, ao mesmo tempo que me disseram: “A tua Guerra acabou”.
Os feridos e mortos chegavam em Sintex e botes, era um caos, e eu, loucamente, ofereci-me voluntário para voltar para Gadamael, onde “os meus homens morriam”, com uma Kalash (AK-47) na mão, afirmando que varria aquela merda toda se não me enviassem para o Inferno (Gadamael). Já em viagem num Sintex, olhava para as margens, aterrorizado, a pensar num RPG, ou umas rajadas da margem.
Cheguei, integrei-me e continuei na minha Missão de Militar das FA’s. Muito haveria de contar, tantos pormenores do terror, e porque conto isto? É que estou a fazê-lo, porque os Paraquedistas acabaram com o Inferno e com os Turras dessas ZA. Eles tiveram feridos, e não foram poucos, mas eles, estavam bem preparados, endurecidos como a aço, nas forjas, escola de TANCOS, onde temperavam e de que maneira esses HOMENS e os preparavam para todas as situações. Instrução dura...Combate fácil.
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Entre tantos, escolhi hoje falar nos Paraquedistas, Heróis Lusos, duma Nação de Guerreiros intemporais, guerreiros irmanados na metralha, no sangue no Suor e nas dificuldades, aí se vêm os verdadeiros Homens de Portugal.
Abençoados
QNPVSC
PS : Os Paraquedistas eram da Força Aérea, hoje são do Exército. Sei que há algumas “rivalidades”. Não devia haver. Afinal, não são todos “Os Meus Heróis” ?
José Casimiro Carvalho
Ex furriel de Operação Especiais - Ex Combatente
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