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micaias

ALTERAÇÕES nos Blogs...

Avatar do autor Jota.Coelho, 12.06.07

 

 


  

Por razões de actualização de alojamentos dos SITES:

 

 http://www.webkreate.com/espacoetereo   -  Vivências na guerra ultramarinaa

 

https://guerracolonial61.wixsite.com/coelho   -  temass, vídeos, imagens e livros das guerras ultramarinas 

 

alguns dos  temas de «picadasdamicaia.blogs.sapo.pt»

migram para «micaias.blogs.sapo.pt» e verse-versa.

 

Podem consultar o "Arquivo" para ver outros temas.

 

Obrigado pela visita. 

Joaquim Coelho

 



 

 

Espaço da Poesia1

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Canto as emoções da Primavera

que a natureza mistura nas searas...

os ventos espalham as sementes

enquanto os corpos ficam à espera

que o prazer descubra a vida

e absorva a seiva de mansinho

para alongar a esperança diluída

nos braços transbordantes de carinho.

 

Canto este hino a cada Primavera

que a mulher abriga no ventre alongado

e louvo a salutar atmosfera

onde esvoaçam as emoções

que o sonho traz entrelaçado

na promessa da perene vitalidade

fundida na expressão das paixões.

 

Joaquim Coelho

 

 



Contornos da Guerra colonial, Angola 2

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Guerra em Angola 2

 

Contornos da guerra em Angola 2

 

 TOMADA DE NAMBUANGONGO

 

Desde 10 de Julho até 9 de Agosto, a operação “Viriato” envolveu várias centenas de militares e muitas dezenas de máquinas e viaturas para concretizar o mais importante objectivo da reocupação das povoações saqueadas pelos bandidos da UPA, dirigidos pelo terrorista Holden Roberto. Percorrendo um longo e difícil caminho, os homens do Batalhão de Caçadores 96, integrados nas Companhias de Caçadores 115, 116 e 117, chegaram a Nambuangongo onde se instalaram. Ainda nessa tarde, hastearam a bandeira portuguesa na igreja da povoação, cuja torre estava bastante danificada e apenas o alpendre que cobre a entrada se apresentava sem estragos. A povoação, situada num planalto, estava deserta.

Nos últimos 100 quilómetros, os combatentes deste batalhão tiveram vários reveses, desde Quibaxe, passando pela ponte, que foi reconstruída sobre o rio Danje. E, no profundo vale do rio Luica, onde mais uma ponte foi reparada, viram-se confrontados com as árvores tombadas sobre a picada; a força dos homens e das máquinas removeram mais esse obstáculo vindo da basta vegetação que marginava o caminho; até às portas de Mucondo e em Quincuzo sofreram fortes ataques dos bandoleiros. Logo após Muxaluando e até ao rio Onzo, continuaram os ataques cada vez mais raivosos por verem que nada fazia recuar o batalhão de caçadores 96. Os últimos cinco quilómetros foram os mais terríveis, pois o desgaste dos homens e das viaturas era evidente e as baixas começavam a causar danos psicológicos. Sete militares sacrificaram a própria vida, enquanto 21 ficaram com as marcas na carne.  

         

  - Em 12 de Agosto de 1961“Operação Quipedro

Foi realizada pela 1ª companhia de pára-quedistas, cujas tropas saltaram na zona da povoação com vista à tomada de posições que permitissem a ligação de Nambuangongo para Carmona e Negage via Quitexe, cortando as vias de reabastecimento dos bandoleiros vinda da serra de Mucaba pelo Songo e Zalala. Depois de reorganizada a defesa da zona, os pára-quedistas deram início à construção da pequena pista para aterragem dos aviões que procedessem à recolha do material de salto e ao fornecimento de equipamentos e víveres. Enquanto uns trabalhavam no corte de arbustos e remoção de obstáculos, outros faziam o reconhecimento da periferia da povoação (destruída pelos bandoleiros) até à chegada da companhia de caçadores que partiu de Nambuangongo em direcção a Quipedro onde ficaria instalada.

A aproximação descuidada do pessoal dessa companhia deu origem a um tiroteio com os pára-quedistas; pois, não foram prevenidos da chegada de estranhos às redondezas. Tudo acabou bem, porque alguns militares de ambos os lados perceberam que aquela intensidade de fogo só poderia ser da “nossa” tropa e começaram a cantar o hino nacional como forma de identificação.

             

- 25 de Agosto de 1961 – “Operação Canda”

Os elementos da 2ª companhia de pára-quedistas saltaram com pára-quedas e tomaram de assalto a povoação de Zenda, localizada nas faldas da serra da Canda. Durante os saltos, o pára-quedista Pimentel ficou preso à carlinga do avião, correndo perigo de morte. Com o esforço do largador, foi salvo; já sorte diferente teve o cabo Cunha, que morreu devido a problemas na abertura do pára-quedas.

Durante quatro dias de batidas na região, dois pelotões da companhia avançaram em direcção à confluência dos rios Lueca e Mbridge, desmantelando os acampamentos da UPA aí instalados. O outro grupo reocupou Bazacomo e fez a ligação com as tropas do batalhão de caçadores que vieram por Madimba até ao rio Mbridge, tentando cortar uma importante via de reabastecimento dos bandidos da UPA.

02 - A caminho serra Canda.jpg

2.3.saltos.jpg

04. O Pimentel em perigo....jpg

- Em 15 de Setembro de 1961“Operação Sacandica

Ao pelotão reforçado do Alferes Simão Nunes foi atribuída a missão de efectuar saltos de pára-quedas para reocupar a povoação localizada no extremo norte de Angola - Sacandica. A fronteira do ex-Congo Belga fica a escassos quilómetros, dando grandes possibilidades aos bandidos de se infiltrarem na região e progredir para Icoca e Quimbele, na direcção de Sanza Pombo. Com o sucesso desta operação, ficou assegurada a ligação entre as forças militares instaladas desde a fronteira de Noqui, Luvo, Buela, Maquela do Zombo e Béu. As povoações de Quibocolo, Damba e 31 de Janeiro ficaram mais protegidas. 

- Operação Sacandica - Pára-quedistas.jpg

        

1.Para-quedas.jpg

- Içar da bandeira em Sacandica....jpg

 

 - A 16 de Setembro de 1961: Pedra Verde

Depois de várias tentativas do Exército e Forças especiais, especialmente Caçadores, sofrendo mortos e feridos, é tomada a “Pedra Verde”, zona de íngremes subidas, morros escarpados e esconderijos nas grutas perigosas. É um local estratégico para dominar as estradas do Caxito para Quibaxe, pelo Piri. Foi mais um revés na tentativa da UPA em dominar os itinerários para o interior da região dos Dembos. 

  

- Outubro de 1961 – CONTRADIÇÕES

Por determinação do comando-geral das forças armadas, é proibido aos militares dizerem que há guerra em Angola. “Há apenas acções militares para manter a segurança pública.”

Na sua visita ao sul de Angola, passando por Sá da Bandeira, o general Venâncio Deslandes, governador-geral de Angola, no seu discurso disse: “Sofrem-se, aqui em Angola, as consequências de uma guerra que o Mundo quase inteiro nos faz, apesar da obra gigantesca que tem sido realizada pelos portugueses, aqui mesmo, nesta província, e da qual nos podemos orgulhar. Essa guerra obriga-nos a um grande esforço e a termos ilimitada fé para provarmos que o sistema português é o único honesto e capaz de fazer progredir os povos deste grande continente africano, onde fomos os primeiros a chegar.” 

             

  Poucas semanas após o regresso a Luanda, o governador-geral formalizou normas legislativas com vista a dar aos povos autóctones mais liberdade de posse e cultivo das terras. Este princípio vai de encontro às ideias expressas por influentes angolanos no sentido de resolver o problema da guerra com negociações políticas.  

  

- Novembro de 1961 - ABRIR CAMINHO… com os bravos condutores

Depois das máquinas derrubarem árvores e endireitar picadas, os homens do Exército andavam dias e semanas a limpar as margens do caminho que permitiam passar com maior segurança para reabastecimento das localidades e tropas aí estacionadas. Era um trabalho medonho daqueles abnegados operadores de máquinas.

Em todos os reabastecimentos sobressaem os tenazes condutores das viaturas que, à mercê das balas inimigas e emoldurados com as poeiras das secas picadas, lá seguem com os volantes na mão e as vidas dos combatentes que transportam confiantes. Para eles vai todo o meu apreço e gratidão.

 

TRIBUTO AOS VALENTES

Entre as forças militares que avançaram para as povoações desprotegidas, estão os pára-quedistas e os caçadores especiais organizados em pequenos grupos de combate. Entraram em acção com redobrado empenho para enfrentarem os terroristas que em sucessivos ataques iam dizimando as populações e destruindo o que restava das fazendas e roças do café. Esses homens obrigados a conviver com o terror, viram o sangue dos inocentes espalhado nas paredes dos escombros das habitações, deram o melhor do seu saber em prol da paz nas terras massacradas. Isolados e entregues à sua sorte, mostraram ao mundo a força da nossa razão para vencer os mais inesperados obstáculos.   

          

Como elementos de importância vital para o desempenho das missões atribuídas aos militares, estão os aviadores, pilotos e pessoal da manutenção e logística, tanto da Força Aéreo como os pilotos civis. Quer no transporte de pessoal e de reabastecimento para zonas inacessíveis por via terrestre, quer na evacuação de feridos e na distribuição de bens alimentares de primeira necessidade, as aeronaves e as suas tripulações têm desempenhado um trabalho exemplar de abnegação e entrega que merecem o nosso especial apreço.

 Para os combatentes que andaram no terreno e testemunharam os perigos envolventes nos percursos entre povoações das zonas de guerra, percebe-se as tremendas dificuldades que os camionistas tiveram de vencer para levarem apoio aos que ficaram abandonados por essas terras do Norte de Angola. Nos dias imediatamente a seguir ao 15 de Março, o desespero apoderou-se de todos os angolanos que tinham familiares ou amigos nos locais onde a sanha dos bandoleiros espalhou a morte e o terror. Com a escassez de meios militares e forças de segurança, foram esses valentes camionistas das estradas de Angola que organizaram as primeiras colunas e avançaram com os rudimentares meios de defesa em socorro dos portugueses que vagueavam nas matas e no que restava das povoações, tentando escapar à sanha assassina dos bandidos da UPA. Há muitos testemunhos a comprovar as façanhas terríveis e protagonizadas por gente anónima que ainda vamos tentar divulgar.

Aos camionistas juntaram-se outros portugueses habituados a viver o rigor das picadas, e com as armas que dispunham organizaram grupos de voluntários para defesa dos que ficaram nas povoações. Com base nesses grupos formaram-se os Corpos de Voluntários que prestaram um valioso apoio à progressão das tropas que foram chegando da metrópole. Conhecedores do terreno, a sua acção tem sido fundamental na colaboração com a tropa recém chegada a um ambiente completamente desconhecido, onde os perigos são muitos e passam pelas dificuldades de movimento nas estradas enlameadas por causa das intensas chuvas da época.

 

        

 Tal como aos soldados que enfrentaram o desconhecido mato de Angola e, além de darem combate aos bandoleiros, têm a coragem de entrar nas matas inóspitas onde o perigo espreita a todo o momento, também prestamos a nossa homenagem ao Corpo de Voluntários e aos camionistas que contribuíram para conter a avalanche do terrorismo e têm mantido a prontidão para socorrer as populações desprotegidas e para colaborar com a tropa cujos efectivos entraram em acção sem tempo para adaptações ao clima e às difíceis situações inerentes à guerra de guerrilha. No conjunto dos esforços de todos eles, ficam na nossa memória os mortos que nunca chegaram ao destino que o seu sonho iluminou.

                                                                                                    

                             Luanda, Maio de 1962

        Joaquim Coelho

in "O Despertar dos Combatentes"  - pedidos para:  jotasousa39@gmail.com  

 



 

O Império em derrocada

Avatar do autor Jota.Coelho, 12.06.07

 

RAZÕES PARA MEDITAR

 

 

A História estuda cada facto da guerra e os fenómenos que lhe deram origem para atingir determinados fins. No entanto, a guerra traz sempre consequências dramáticas para os intervenientes directos, mesmo que ajude a desenvolver tecnologias aproveitáveis para o bem-estar da humanidade. À Sociologia interessa o método comparativo que estuda os grupos e tipos de fenómenos que originam a guerra dentro do seio social de cada indivíduo ou grupo social que intervém na guerra.

 

No caso Português, os avisos de que tudo estava a mudar no tocante aos povos colonizados não foram devidamente acatados pelos governantes nem pelos residentes nas colónias. Na Conferência de Bandung (Java-Indonésia), realizada em Abril de 1955, várias organizações internacionais e governos dos “países não alinhados”, tais como a Índia, Indonésia, Paquistão, Cuba, Egipto e outros influentes nas Nações declararam todo o apoio aos movimentos políticos criados nas colónias com vista à independência. Desde que a Índia ficou independente do Império Britânico, em Agosto de 1948, sempre pretendeu retirar à administração portuguesa todos os territórios encravados na costa do Malabar; as escaramuças agravaram-se quando a União Indiana invadiu Dadrá e Nagar-Aveli, em Junho de 1954, concluindo a invasão de Goa, Damão e Diu em vésperas do Natal de 1961. As consequências foram dramáticas para as tropas portuguesas, tendo ficado prisioneiros mais de três mil militares, os quais foram humilhados durante o cativeiro.

 

 

      

                   Foto de Francisco Faneca

  

Os governantes portugueses demonstraram o mais vil desprezo pelos militares cativos, não aceitando as condições objectivas propostas pelos indianos com vista ao repatriamento. Essa demora causou mais indignação e sofrimento a esses compatriotas que lutavam pela sobrevivência em cada novo dia. Enquanto isso, em Angola, as autoridades e alguma imprensa tentavam esconder os efeitos da machada dada no moribundo Império colonial português, protagonizada pela União Indiana, pondo em prática um insólito peditório público com vista à compra de um novo navio Afonso de Albuquerque para substituir o que foi afundado nas proximidades de Goa.

  

         

                        Foto de Francisco Faneca

   

Na década de 50, vários factores importantes, como a descoberta de minérios e petróleo de grande valor, levaram à formação de organizações políticas (movimentos) com vista à tomada do poder com a independência dos territórios portugueses. Essa era a bandeira de propaganda das Nações Unidas, e um grande número de colónias inglesas, holandesas, belgas e francesas negociaram a sua independência, tanto na África como na Ásia.

E o que fizeram as autoridades portuguesas?

             

Negligenciaram todos os indícios de mudança no contexto das nações; recusaram qualquer hipótese de negociação com representantes de movimentos independentistas; reprimiram todas as manifestações de protesto e fuzilaram parte dos seus cabecilhas. Enquanto isso, os “colonos” e os brancos nascidos nos territórios ultramarinos ajudavam na repressão, ministravam a justiça pelas próprias mãos e viviam na ilusão de que nada iria mudar. As consequências foram lamentáveis e prejudiciais para todo a sociedade portuguesa: com 14 anos de guerra, cerca de dez mil mortos, mais de trinta mil militares com graves deficiências físicas, algumas centenas de milhar de traumatizados por acções de combate e uma descolonização humilhante e indigna para quem sofreu na pele os reveses de tamanha hecatombe.

 

                        Luanda, Abril de 1962

             Joaquim Coelho

 in "O Despertar dos Combatentes"  - pedidos para:  jotasousa39@gmail.com

 



 

Guerra colonial, Angola 1

Avatar do autor Jota.Coelho, 12.06.07


                                       

 

Contornos da guerra em Angola 1

 

FACTOS mais RELEVANTES

 

- Junho de 1960: O MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) envia uma declaração ao governo de Portugal com vista a negociações para resolver o problema colonial. Este documento levou à prisão de Agostinho Neto e Joaquim Pinto de Andrade.

 

- Novembro de 1960: Realizaram-se manifestações em Luanda, Lourenço Marques e, também, em Lisboa contra as decisões da ONU em declarar os territórios ultramarinos portugueses parcelas colonizadas; portanto, com direito à autodeterminação e independência.   

 

         

- Janeiro de 1961: Assalto ao Santa Maria

Quando navegava com turistas no mar das Caraíbas, o paquete Santa Maria foi assaltado por um grupo de portugueses comandado pelo capitão Henrique Galvão. Curiosamente, este militar com serviços prestados na administração Angola, foi o mentor da criação de Nova Lisboa como capital do Império. Segundo as suas declarações, pretendia fazer um desembarque na costa angolana, mas acabou por navegar até ao Brasil onde pediu asilo político.

 

- Janeiro 1961: Revolta no Cassange

Na sequência de vários protestos por causa dos fracos salários pagos aos trabalhadores, estes entraram em greve por tempo indeterminado, tendo sido violentamente atacados por efectivos da polícia e do Exército. As aldeias da população da zona foram queimadas pelas bombas lançadas por aviões e os tumultos alastraram às fazendas de algodão da Cotonang, culminando com a chacina de milhares de trabalhadores e seus familiares. Os indiciados cabecilhas da rebelião foram presos e fuzilados na região de Gabela. As tropas metropolitanas em serviço em Angola (cerca de 1.700) participaram na repressão aos manifestantes, colaborando com a polícia e tropas locais (cerca de 5.000 efectivos indígenas).  

Angola, igreja de Mucaba.jpg

- Fevereiro de 1961: Assalto às prisões de Luanda

Com os poucos efectivos de segurança ocupados na região do Cassange, a agitação foi-se agravando em Luanda onde os revoltosos assaltaram a Casa de Reclusão Militar, tendo morrido um cabo; pretendendo soltar os seus dirigentes presos nas cadeias, os bandidos assaltaram a esquadra de S. Paulo, da Polícia de Segurança Pública, e a repartições do estado. Na refrega, foram mortos sete agentes da polícia que caíram numa cilada dos revoltosos e, em consequência, os colonos armados caçaram e lincharam vários assaltantes. No dia do funeral dos polícias, os desacatos começaram nas ruas e acabaram nos muceques, onde os colonos mataram muitos indígenas.

         

- 15 de Março de 1961 : Início do terror

Tiveram início os massacres, organizados pela União das Populações de Angola (de Holden Roberto de origem Bakongo) e por militares congoleses, onde foram mortos e mutilados alguns milhares de colonos brancos e empregados negros, nas fazendas do café; especialmente nas zonas dos Dembos, Negage, Úcua, Nambuangongo, Zala, Quitexe, Nova Caipenda, Ambriz, Maquela do Zombo, Madimba, Luvaca, Buela e outras. 

 

214 - Acidente em dia de Natal, a caminho de Zala.

Em consequência, mobilizaram-se meios terrestres e aéreos para socorrer os residentes nas zonas ameaçadas, muitos dos quais conseguiram chegar a Luanda com os familiares. A escassez de efectivos militares obrigou a um desmesurado esforço para chegar aos pontos mais necessitados. As autoridades perderam o controlo das vias de comunicação para toda a zona Norte, onde foram destruídas pontes, obstruídas as estradas com derrube de árvores e abertura de valas. Alguns grupos de camionistas que tentaram avançar na direcção dos Dembos, tiveram que regressar por encontrarem as estradas cortadas; outros mais afoitos, caíram em emboscadas e foram mortos a tiros de canhangulo e à catanada. Na cidade organizaram-se milícias para tentar evitar que os bandidos da UPA se aproximassem com a sua sanha monstruosa. Já em Abril, depois das poucas tropas do alferes Meireles terem regressado ao Caxito, os ataques traiçoeiros e selvagens, utilizando catanas e granadas, aproximavam-se de Luanda, passando pelo Úcua, onde foram assassinados mais europeus e os empregados bailundos. Entretanto, a barragem das Mabutas, que fornecia energia a Luanda corria sérios riscos de ser atacada; civis e militares organizaram-se para a sua defesa.

 

       

 

 Entretanto, os ataques chegam a outras povoações e fazendas: Bessa Monteiro, Carmona, Pango-Aluquem, Aldeia Viçosa, Lucunga, e Sanza Pombo continuando a perturbar as populações dessas terras.

  Ainda em Março e nos meses seguintes de 1961, as tropas especiais (caçadores especiais e pára-quedistas) e alguns pelotões do Exército começaram a reconquistar povoações e fazendas, como Bembe, Maria Teresa, Quicabo, Damba, Madimba, Maquela do Zombo, 31 de Janeiro, Songo, Mucaba, Toto. Foi com alguma surpresa que vieram a constatar que o empenhamento das missões religiosas protestantes teve um grande peso na orgânica e no engajamento de indígenas para a rebelião, já que os diversos documentos encontrados nos locais das missões demonstravam a conivência entre os missionários oriundos de países como os Estados Unidos, Bélgica, Inglaterra e Países nórdicos, bastante próximos dos dirigentes da UPA, cuja sede é no Congo Belga. Numa operação na zona de Cuimba, encontrámos diversas fotografias com elementos da UPA acompanhados de representantes de organizações americanas; e, mais tarde, foram encontradas mais fotos em Madimba e Buela, onde estavam também dirigentes da UPA em festas religiosas e na sede de Leopoldeville. 

 

- Em Abril de 1961: Embarque de tropas

Embarcou em Lisboa o 1º contingente de tropas para Angola no navio NIASSA, cujos militares desfilaram na avenida marginal de Luanda onde foram recebidos com manifestações de intensa alegria e confiança. Poucos dias antes, uma coluna militar foi emboscada na picada de Cólua, onde morreram nove militares, incluindo dois oficiais. Chegados a Luanda, seguiram para o interior Norte, o Batalhão de caçadores 88 foi reocupar a povoação de Damba e o batalhão de caçadores 92 instalou-se em Sanza Pombo; parte das companhias de caçadores continuaram a progredir na direcção da fronteira com o Congo ex-Belga, ocupando Santa Cruz e Maquela do Zombo.

 

0.233 - Através do capim... zona da Zala.jpg

 - A 19 de Abril de 1961: Três pelotões de pára-quedistas embarcaram no avião da TAP com destino a Angola, para reforçar o contingente de grupos e equipas com cães de guerra que andavam pelos matos a ajudar na defesa das povoações. Outro grupo de pára-quedistas, que estava destacado em Lourenço Marques, deslocou-se para Angola. Com mais este grupo, outras povoações como o Bungo, Songo, Sanza Pombo, Quitexe melhoraram as condições de defesa contra os ataques dos bandidos da UPA.

      

 

- Em 14 de Maio de 1961: Desembarque de tropas

Chegou a Luanda um numeroso contingente militar, composto de unidades de Caçadores, Engenharia e Sapadores. Parte desses militares instalaram-se no quartel do Grafanil, onde permaneceram durante a organização e planeamento das suas primeiras missões. Ao Batalhão de Caçadores 96, comandado pelo Tenente-coronel Maçanita, incluindo um grupo de engenharia comandado pelo Alferes Jardim Gonçalves, coube fazer o reconhecimento e segurança das picadas até à ponte do rio Dange. Sofreram aí os primeiros ataques dos guerrilheiros da UPA, aos quais causaram pesadas baixas. Foi precisamente nesse itinerário que se deram as mais selváticas matanças de fazendeiros portugueses. E os bandidos do Holden Roberto atacavam em grandes grupos munidos de canhangulos e catanas. Para lhes dar o dom da ressurreição, os feiticeiros forneciam mixórdias e drogas que os tornavam imunes às balas dos portugueses. Morriam aos magotes, ficando os corpos espalhados ao longo das povoações como em Cacola, causando um cheiro nauseabundo.

 

- Em Junho de 1961Acções das marinha

A partir da costa norte, o batalhão de caçadores 156 instala-se em S. Salvador do Congo e Cuimba, enquanto forças da marinha desembarcam em Ambrizete e avançam na direcção de Tomboco e Quinzau, que ocupam.

 

- Em 10 de Julho de 1961: Operação Viriato

O Ten-Coronel Armando Maçanita, comandante do Batalhão de Caçadores 96, dá início à “operação Viriato”, destinada a abrir caminho até Nambuangongo e lá instalar um Batalhão do Exército, com máquinas de engenharia, artilharia, atiradores, telegrafistas e enfermeiros. Seguiram o itinerário de Caxito, Quibaxe, Santa Eulália, Mucondo, Muxaluando e Nambuangongo, onde chegaram na tarde do dia 9 de Agosto; tiveram que reconstruir diversas pontes, incluindo a do rio Dange; durante o percurso, foram atacados pelos bandoleiros da UPA que causaram mortos e feridos.

Com o mesmo objectivo, o Batalhão de Caçadores 114, comandado pelo Tec-coronel Oliveira Rodrigues, seguiu o itinerário por Caxito, ponte do rio Lifune para Quicabo, onde foram severamente atacados pelas hordas inimigas e interromperam a marcha por dificuldades em atravessar a ponte que estava destruída. Sofreram 17 mortos e 46 e feridos, ficando impossibilitados de chegar ao objectivo.

Por outro itinerário mais longo, foi o Esquadrão de Cavalaria 149, comandado pelo Capitão Rui Abrantes, passando por Ambriz, Bela Vista e Zala, chegando a Nambuangongo um dia após o BCaç96, tendo sofrido apenas feridos nos ataques de que foi alvo.

Em todos estes itinerários, as dificuldades eram acrescidas com as pontes destruídas e as picadas obstruídas com árvores de grande porte e valas profundas. As máquinas da engenharia e os sapadores foram fundamentais para que o sucesso destas missões de reocupação.

Nambuangongo era um objectivo determinante para desalojar os bandidos da UPA, que ali tinham instalado o seu quartel-general, e para dar um sinal inequívoco de que as tropas portuguesas jamais dariam tréguas aos terroristas que agiram da forma mais selvagem contra os seus patrões e companheiros de trabalho nas fazendas e roças da região dos Dembos.

         

 Para concretizar uma missão de tamanha envergadura, cada contingente militar seguiu um itinerário diferente. Do ponto de vista da estratégia militar, seria essa a forma de enfrentar os diversos obstáculos que se previam ao longo das “picadas”. Cada unidade militar muniu-se de viaturas e equipamentos de corte e remoção de obstáculos, tendo por base grupos de engenharia e sapadores. E tiveram sortes diferentes ao longo da jornada de cerca de quatro semanas de duros combates e dificuldades tremendas para abrir caminho. Fazendo dos reveses vitórias, a determinação daqueles militares, que poucas tinham viajado amontoados no navio e desembarcado em Luanda, foi fundamental para o êxito da operação “Viriato”. Só o Batalhão de Caçadores 96 e o Esquadrão de Cavalaria 149, conseguiram chegar a Nambuangongo, indo o primeiro por Quibaxe e o segundo por Ambriz e Zala. Enquanto isso, o Batalhão de Caçadores 114 debatia-se com grandes dificuldades para reconstruir a ponte sobre o rio Lifune, antes de Quicabo, sofrendo mortíferos ataques do inimigo que, apesar das pesadas baixas, nunca deixou de flagelar perigosamente os valentes combatentes daquele Batalhão.

 

Em Luanda, os estrategas militares começaram a ficar preocupados com a lenta progressão das unidades que enfrentavam inesperados obstáculos para chegar ao objectivo. O comando da Força Aérea tentou por em prática os seus planos de reocupação de Nambuangongo e convocou o comandante dos pára-quedistas com vista a fazer um lançamento por via aérea. Quando os chefes do estado-maior do Exército perceberam a manobra, deram o alerta para que mais ninguém interviesse nessa operação senão as unidades que já estavam no terreno. Apesar de progredirem com tremendas dificuldades, era ponto de honra que esse feito – reconquistar Nambuangongo – estava entregue ao Exército. E, quando as notícias vindas da frente (da ponte do rio Lifune e do rio Onzo) onde os Batalhões de Caçadores 96 e 114 sofriam as mais severas baixas, a Força Aérea fez a última tentativa de tomar Nambuangongo, à revelia dos pareceres do estado-maior do Exército, dando ordem de embarque a um grupo de pára-quedistas pronto para realizar o assalto ao quartel-general da UPA. Esse episódio ficou gravado na cabeça dos intervenientes, porque a voz do Tenente-coronel Maçanita fez-se ouvir com ameaças de mandar atirar contra os pára-quedistas que passassem ao alcance das armas dos seus homens. É um facto que muito boa gente quis limpar da história da guerra em Angola.

 

     Continua em:

"Contornos  da guerra em Angola 2"

 

Joaquim Coelho

in "O Despertar dos Combatentes" - pedidos para: jotasousa39@gmail.com 

 

Memórias dos Tempos1

Avatar do autor Jota.Coelho, 12.06.07

Tempos de boas músicas

  

 

   PARQUE  DAS  CAMÉLIAS

 

Nos dias de cinema a três escudos

vejo filmes da Cheta e do Tarzan,

do Pedro Infante e do Joselito;

toda a gente passa no parque

bebendo o ânimo com o pirolito.

 

No bolso levo alguns rebuçados

para pagar promessas de amor;

as raparigas são o meu primor

e não fogem aos folguedos...

gozam ao aperto suave dos dedos

e dão largas ao toque dos guizos

sentidos no deleite dos sorrisos.

 

A luta livre é um chamamento

que me anima nas noites frias.

Sento-me longe da pisa de luta

para não sentir o desconforto

do gemer atrevido da prostituta,

se lhe cair o lutador em cima.

 

Vejo o jogo na esteira do ringue

onde os lutadores vomitam seiva

e trocam o sangue por dinheiro;

estranhas manobras de morte

que confundem com a sorte

para o meu descontentamento

e gemem a imitar o sofrimento!

 

                                   Porto, Setembro de 1958

                                                  Joaquim Coelho

 

 



 

Guerra colonial, Moçambique3

Avatar do autor Jota.Coelho, 12.06.07

 

 


 

 


 

 

À BOLEIA para ENTREVISTAR MERCENÁRIOS

 

 Antes de partir da Beira para as matas de Cabo Delgado, ataviei uma entrevista com uns mercenários americanos que estão em Salisbury ao serviço do Iam Smit. Pertenceram à tropa especial que combate nas selvas do Vietname. Esse encontro foi-me facultado por dois pilotos de caças da Força Aérea Rodesiana que estacionavam na Base Aérea 10, da Beira, com vista ao reforça das tropas portuguesas que pretendiam evitar o desembarque das tropas inglesas embarcadas nos navios de guerra que pairavam ao largo do porto da Beira, durante a “guerra do petróleo”. Nas duas vezes que conversei com esses pilotos, acerca dos mercenários que o presidente rebelde da Rodésia do Sul, Iam Smith, estava a contratar para resistir ao cerco das tropas britânicas, fiquei com a convicção de que não aceitam de bom grado a presença de mercenários americanos, por os considerarem uns “corrécios”.

Cumpridos os trinta e um dias de missões entre Macomia, Chai, margens do rio Messalo e Serra do Mapé, regresso a Porto Amélia, onde o pessoal da companhia esperava uns dias pelo transporte em aviões Nordatlas, até à base da Beira. Mantinha a ideia da entrevista com os ditos mercenários, condecorados na guerra do Vietname, sobre a qual preparava um artigo para um jornal a publicar na cidade da Beira, porque era uma novidade em termos de combatentes estrangeiros pela causa Rodesiana.  

Só que o tempo me é escasso e mais de dois dias em Porto Amélia pode mandar o meu plano às favas. E não há previsões da chegada de qualquer avião que possa transportar a minha tropa. Para animar o pessoal da companhia, pus em prática os meus conhecimentos de “cozinheiro” adquiridos no tempo em que fui escuteiro, pedi autorização para levar um jeep até à doca de Porto Amélia, onde comprei uma boa quantidade de peixe e preparei uma saborosa caldeirada. Toda a gente tirou a barriga de misérias, incluindo os senhores oficiais. Aproveitando o repasto, pedi ao comandante da companhia a necessária autorização para tentar arranjar boleia nos aviões que passavam pelo aeroporto local. A minha pretensão foi bem aceite e recebi a respectiva guia de marcha para viajar por minha conta e risco.

 

        

 

 

A espera foi de poucas horas na gare do aeroporto e uma luz de esperança surgiu do céu em forma de avião Dakota. Enquanto os sargentos e cabos da Força Aérea descarregavam algumas caixas de material, aproximei-me do capitão de cabelos grisalhos, que me pareceu ser o comandante do dito aparelho, a quem me apresentei a solicitar a boleia que tanto esperava para a Beira. O homem não deu muita importância ao meu pedido, mas foi dizendo que sempre ia viajar até Nampula (que tinha ligação para a Beira) e, em tom irónico e gozão, disse que até gostava de dar boleia, portanto que embarcasse e me acomodasse dentro da carlinga. Não hesitei. Apesar de ver o espaço bastante ocupado com caixas de material, nem percebi que aquela carga só poderia destinar-se às bases e acampamentos do norte.

Ainda o avião não tinha atingido a altitude de voo de cruzeiro e já eu estava a ver o meu tempo a andar para trás. Pois, não demorou meia hora para avistar a picada de Macomia para Mucojo; e, mais uns minutos de viagem, passámos os charcos do rio Messalo, nas proximidades do Chai. Incrédulo e confuso com aquele desvio, dirigi-me à cabine de pilotagem, mas ao passar junto do operador de rádio logo este informou que tinham como destino Mocimboa do Rovuma e outros destacamentos de tropa lá pelo Norte. Embora percebesse que o capitão era daqueles pilotos bem tarimbados, que gostam de pregar as suas partiditas, tive o arrojo de perguntar qual era a previsão de chegar a Nampula. Olhou-me com um sorriso e respondeu calmamente: “Deveremos chegar a Nampula antes da meia-noite… de amanhã.” Não fora o meu compromisso de arrancar para a Rodésia, até aceitava!

No percurso a baixa altitude, vi alguns acampamentos dos guerrilheiros, antes de aterrar em Mocimboa do Rovuma. Dali fomos para Nangade, onde descarregaram mais umas tantas caixas de munições, outras com latas de cerveja 2M e poucas rações de combate. Enquanto a tripulação do Dakota fazia o seu trabalho, aterrou um avião T6, que me iluminou da escuridão que aquele capitão de cabelos grisalhos trouxe aos meus objectivos.

Estando o sol a querer banhar-se lá para os lados do lago Nangade, tinha ali outra alternativa. Nem mais nem menos do que o tenente-piloto Malaquias de Oliveira, meu companheiro na Base Aérea 1, de Sintra, uns anos atrás. Falou com um alferes da Companhia de Cavalaria…. Para reabastecerem o avião, e lá estiveram dois soldados a dar à bomba para transferir o combustível do bidão até ao depósito da pequena aeronave. Em poucos minutos já voávamos para sul a caminho de Nampula. Não fora a barulheira do potente motor, poderíamos ter falado dos tempos em que os aviões de treino da Granja do Marques, serviam para lançar cartas às namoradas que o pessoal tinha espalhadas nas terras de Mem-Martins, Pêro Pinheiro ou mesmo nas Mercês. Com a pista de Nampula bem iluminada, a aterragem foi perfeita. Passei a noite na messe, sofrendo os efeitos do calor que se fazia sentir na região.

De manhãzinha, avanço para a pista de Nampula, sempre convicto de que algum avião seguiria para a Beira. Já o sol crestava e obrigava a serenar a sede no bar do aeródromo, quando chegou um avião Nordatlas, para onde me dirigi com outros militares e alguns civis. Falando com o tenente-piloto comandante da aeronave, autorizou o embarque, passando por Nacala. Aterrou em Nacala, fazendo uma aterragem quase a pique, como o faziam nas pistas da zona de guerra, evitando assim serem perfurados pelas balas dos guerrilheiros que se instalavam nas proximidades da zona de aterragem. O embate do trem de aterragem foi violento e não fora a largura e extensão da pista, algo de grave poderia ter acontecido. Rodaram até junto do hangar, onde passaram uma vistoria ao trem. Eu nem queria acreditar no que via: as molas do lado direito do trem da frente estavam abatidas! E agora, Coelho?

Não havia comentários. Todos se olhavam desolados e descrentes da continuação da viagem. Em conversa com o Cabo mecânico Ferreira, fiquei a saber que tinham ali complicação para alguns dias. Hipótese de outro avião para esse dia, nem pensar. Peço ao comandante do destacamento local uma viatura que me levasse à estação dos caminhos-de-ferro de Nacala. O comboio que estava para sair era pardo de tanto lixo acumulado; mas não era caso para desistir. E lá tomou a marcha, lento, lento… rumo a Nampula. Com a tarde a mais de meio, chegou outro Nordatlas, com destino à Beira. Abeirei-me e pedi permissão para embarcar. Estes pilotos são uma malta porreira. Repeti o pedido e fui autorizado a entrar e tudo correu dentro das conformidades até à pista da Beira. Estava prestes a cumprir os prazos combinados para a reportagem aos mercenários da Rodésia.

Com tantos pilotos de táxis aéreos a trabalhar para os comerciantes monhés, depositei neles a minha esperança do desenrasca para chegar a Salisbury, capital da Rodésia do Sul. A meio da manhã, tomei boleia no Cessna do piloto Palmeiras, que faz estas viagens todos os dias. Homem desenrascado, transportava duas grandes malas do comerciante paquistanês que caminhava na sua frente, quando me viu e aceitou o pedido de boleia. Embarquei rapidamente naquele pássaro habituado aos climas tropicais. Partimos num longo voo para oeste perseguindo a rota do sol que serve de guia sobre a imensa floresta verde entremeada com montanhas rochosas e escarpadas. Os sons do motor misturam-se com as cantilenas do Palmeiras, que me apontava as rectas da estrada que passa de Moçambique até ao centro da África.

 

          

 

Atrai-me o fascínio do desconhecido! É-me particularmente gratificante percorrer distâncias imensas dentro destes pequenos pássaros de asas de cores berrantes como a floresta que se avista lá em baixo, quando o sol nos confunde o horizonte e acabamos por aterrar numa pista nas proximidades duma montanha a norte de Salisbury. Foi um desvio de rota inesperado, mas emocionante, sem acidentes! Já estávamos em território do primeiro-ministro Iam Smith, sem vontade de sermos incomodados pelos seus guardas. Acidentalmente, e por conveniência minha, os ventos do tufão tanto abanaram a carcaça do avião, que o piloto perdeu o azimute e fomos aterrar numa pequena pista periférica à povoação do interior da Rodésia, muito perto de Bindura, a pouco mais de 50 quilómetros de Salisbury. Há que tomar alguns cuidados, enquanto o piloto entra em contacto com a torre de Lourenço Marques e tenta corrigir a rota para o regresso, porque o combustível do Cessna não permite grandes desvios e o meu amigo Palmeiras, que conheço desde quando era aluno em Sintra, está bastante nervoso. É a terceira vez que viajo de boleia com o Palmeiras; depois que saiu da Força Aérea, tenho-me cruzado com ele pelas pistas de Nampula, Porta Amélia e Nacala; homem com uma invulgar calma, percorre grandes distâncias em rotas sinuosas sobre estas florestas africanas. Tem sido bem sucedido como taxista aéreo.

  Agora que o Palmeiras já tem o azimute para seguir até Inhambane, eu vou continuar o meu caminho para Salisbury onde me esperam dois ou três gringos americanos, mercenários e ex-combatentes na guerra do Vietname, com quem marquei uma entrevista, bastante importante para a minha pesquisa sobre a mentalidade dos combatentes activos. Sei que é uma causa perigosa, porque estes homens, ao que me foi dito, vendem a estabilidade dos dolares por uma oportunidade de confronto para matar legalmente!

Na pequena cidade de montanha, não foi difícil contratar uma pik-up com condutor para me levar ao endereço da residencial Paskir (é uma pensão com cervejaria e esplanada). Os rands sul-africanos foram bem aceites como pagamento e partimos pela estrada que desce da montanha de extensos rochedos até à capital. De caminho ornamentado de zonas verdes e savanas mais rapadas, cruzámos o planalto desértico até às fazendas dos agricultores que fornecem alimentos aos mais de quinhentos mil habitantes de Salisbury. Antes de entrar na cidade, contornámos a zona industrial bastante poluída pelas fábricas siderúrgicas.

 

                

 

Cheguei pelas quatro da tarde. Mal sai da viatura, com as máquinas de filmar e fotografar a tiracolo, avistei dois trogloditas sentados junto à esquina da casa e logo outro se aproximou de espingarda com a bandoleira no ombro direito e cano descaído ao longo das costas; não deram importância à minha presença, enquanto dois conversavam o outro lia uma revista. Fiquei no passeio em frente a observar o ambiente da rua e o movimento na esplanada. Fui-me aproximando, na incerteza de serem os meus entrevistados, e entabulamos conversa. Eu tinha um gravador de fita magnética, que quis pôr a funcionar, mas não autorizaram gravações; que sim, iam falar, mas só poderia tomar notas. Quanto a fotografias, nada de nada! Começo a ver goradas as minhas pretensões, depois da viagem atribulada. Trocámos uns pequenos mas significativos presentes: ofereceram-me emblemas das unidades de elite a que pertenciam, e, em troca, ofereci-lhes dois brevets dos pára-quedistas. Fomos conversando, fui anotando, bebendo e apreciando os entrevistados. Comportaram-se com uma impetuosidade agressiva que chegava a ultrapassar o irracional das intrigas internacionais. Fico com a ideia de que eles têm medo das guerras, e até têm medo de andar na rua, no meio de pessoas pacíficas!

 

 

Quando lhes perguntei porque andavam armados, quiseram vincar a sua razão apontando a arma a um grupo de negros que se deslocavam no passeio, dizendo que a uma gatilhada os brancos se livravam de meia dúzia de potenciais inimigos de uma vez só; que o estatuto que tinham estabelecido com as autoridades lhes permitia transportar as próprias armas sempre que o quisessem! Constatei que são homens desprovidos de carácter, para quem só conta o dinheiro e o confronto.

 Durante a entrevista que me concederam, a pedido de um dos pilotos dos caças que vieram para a Beira, percebi a sua má formação cívica, com desprezo pelos princípios da ética militar; (quanto não vale um estatuto de mercenário, mesmo com medo da guerra). Estando as coisas neste ponto, o meu comprometimento com o imprevisto, mesmo nas situações mais insólitas, começa a perder o interesse. As minhas dúvidas foram dissipadas antes de terminar a entrevista, porque um dos mercenários quis vincar a sua “valentia” duma maneira trágica: colocou a espingarda em cima da mesa da esplanada onde conversávamos e disparou de rajada contra um grupo de transeuntes negros que subiam a rua na nossa direcção. Sem qualquer motivo que não fosse o ódio aos pretos e a má formação da personalidade, disparou por entre os dois comparsas e atingiu cinco pessoas, tendo duas sucumbido às balas e ficaram caídas no asfalto, enquanto outras fugiram aos gritos pela rua abaixo. Até os brancos que estavam na esplanada condenaram o acto, mas com alguma moderação, talvez com medo das represálias dos “mercenários”. Outros bateram palmas! Fiquei surpreso com o gesto, mas os comparsas riam de alma aberta. A minha estupefacção aumentou quando percebi que ninguém se levantou para socorrer os feridos que gemiam e sangravam a escassos metros de distância da esplanada onde fui ameaçado com a mesma arma por ter tentado fotografar a ocorrência.

A chegada das viaturas da polícia não perturbou os três mercenários que recusaram qualquer comentário ao episódio. A entrevista acabou ali, sem que eu percebesse as razões do gesto tresloucado daquele meliante marcado pela guerra do Vietname. Curiosamente, até me disseram que, na guerra deles, os helicópteros levaram bifes para comerem ao mata-bicho, que fumavam “ervas da felicidade”, que tinham maningue de gajas nos abrigos e também alguns oficiais sul vietnamitas rabichos. Como não foram interpelados pela polícia rodesiana, os tipos achavam-se os autênticos “vingadores” do centro de Salisbury.

 

 

                     Guerra do Vietnam

                                     

 

Não houve despedidas, porque nada me prende a esta filosofia de guerra, onde a ganância e a brutalidade não têm limites. Ainda deu para perceber que as autoridades rodesianas têm mais uma razão para duvidar da “valentia” dos mercenários e, em consequência, mais um problema de segurança para resolver.

Tenho consciência de que a busca da verdade é o melhor incentivo que posso transmitir àqueles que acreditam na divulgação da cultura como arma contra a repressão e as liberdades. Desde hoje, deixei de ser um admirador do Iam Smith! Episódios como este acabam por minar a confiança dos povos e tudo vai piorando, porque já não há esperança.

  Naturalmente que não estou só, mas a guerra que nos horroriza e desgosta também nos dá algumas pistas para entender as razões porque o ocidente português está a perder a credibilidade como estado nação que deu novos mundos ao mundo.

  Os povos que os antepassados subjugaram e evangelizaram jamais perderão as raízes da sua cultura nativa e da sua alma africana. Então porque não entendemos a suas pretensões de emancipação? Se não soubermos aproveitar agora, quando temos em Salisbury um governo rebelde mas amigo, estaremos a perder a grande oportunidade histórica de negociar sem pressões uma outra forma de resolver a guerra. Não passarão muitos nos sem que tenhamos todos os países vizinhos de Angola e de Moçambique a servir os interesses dos guerrilheiros, e a guerra tornar-se-á mais sangrenta e odiosa, sem condições para qualquer retorno pacífico. Com tais ódios acirrados, poderemos enfrentar dias terríveis de humilhação para as tropas portuguesas.

  A concepção de “províncias ultramarinas” não dá aos nativos (landins, macuas ou macondes) a alma que o governo português lhes quer trocar. Moçambique está condenado à orfandade, porque nos séculos que convivemos com estes povos nem sequer lhes soubemos ensinar a língua de Camões; são raros os locais onde se pode fazer entender a língua portuguesa. Quanto a outras formas de convivência, estamos longe de outros povos como os asiáticos e sul-africanos, para podermos exigir alguma coisa. Então que colonização é esta?

 

                       Beira, Abril de 1967

Joaquim Coelho

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GUERRA DO PETRÓLEO 1

 

A ideia de uma federação de países governados por brancos fazia com que o Engenheiro Jorge Jardim se camuflasse de negro só para lidar com alguns negros influentes no espectro político da África austral, pelos quais nutria simpatia e veneração. O presidente Hastings Banda do Malawi era tido como elo de ligação para outros políticos da Zâmbia e do Tanganica, pelo que a confiança do engenheiro Jorge Jardim chegou ao ponto de ser o cônsul do Malawi. Esta situação não era bem vista pelo presidente da Rodésia do Sul, Iam Smith, que pretendia agradar aos intuitos políticos do Engenheiro Jardim, só porque a manutenção das vias de reabastecimento em mercadorias, por via do Porto da Beira, e o petróleo pelo pipe-line de Chimoio eram fundamentais para a manutenção da independência contra a Inglaterra.

 

           

 

O diferendo com a coroa britânica deve-se à sua ousadia em cortar os laços do poder que a Inglaterra tentava manter na sua colónia rebelde. A última reunião entre Iam Smith, primeiro-ministro da Rodésia do Sul, e Alec Douglas-Home do governo britânico, realizada em Novembro de 1965, terminou com o fim de seis anos de negociações e deu origem à declaração unilateral da independência da Rodésia, apoiada pelos governos da África do Sul e de Portugal.

Entre as sanções decretadas pelas Nações Unidas, está o bloqueio aos portos da Beira, para o que a esquadra inglesa destacou uma frota de navios de guerra, incluindo um porta-aviões. Por isso mesmo, os portugueses estão a sofrer consequências gravosas em termos de movimento de navios na costa moçambicana. Situação que se agravou em Março de 1966, quando o navio de petróleo “Ioana V” conseguiu furar o bloqueio e entrar no porto da Beira para descarregar petróleo para a Rodésia. Este facto fez empolar as relações entre Portugal e a Inglaterra, com os ingleses a ameaçar desembarcar tropas na zona de costa periférica ao porto da Beira. Esta situação provocou algum temor nos chefes militares portugueses que ordenaram a confluência de grande quantidades de efectivos militares na zona, com vista a enfrentar as tropas inglesas que tentassem o desembarque.

 

          

 

 

Para quem estava no terreno, essa retaliação contra as tropas inglesas seria mais um desastre para Portugal, tal era o poderio militar inglês estacionado ao largo da costa da Beira. Os nossos pilotos, que observaram a esquadra marítima, perceberam que os nove navios, entre os quais três fragatas bem armadas e um porta-aviões com mais de sessenta caças-bombardeiros, tinham tal poder bélico que as nossas tropas seriam dizimadas em menos de 48 horas de combates. Nem o Engenheiro Jorge Jardim percebeu isso, porque se manteve na serenidade das suas reservas administrativas em diversas empresas moçambicanas. Mas as nossas tropas posicionaram-se nas ilhotas e zonas pantanosas da costa, colocaram meia dúzia de baterias anti-aéreas nos pontos mais “sensíveis”, tais como a Base Aérea 10; os pára-quedistas colocaram explosivos nas pistas de aterragem, prevendo accioná-los se algum avião inglês tentasse aterrar. Abriram-se trincheiras e abrigos ao longo das pistas principais e montaram-se tendas de campanha para as tropas que ali permaneceram alerta de Março até Outubro de 1966.

Enquanto isso, o primeiro-ministro rodesiano, Iam Smith, tentava serenar os políticos negros, dando-lhes uma pequena representação no parlamento, cerca de 30% de lugares para cinco milhões de negros, tendo os brancos 70% dos lugares para duzentos e cinquenta mil brancos. Toda a população branca, entre os quais muitos agricultores e fazendeiros, apoiou a rebeldia do senhor Iam Smith; mas as forças armadas, compostas por militares ingleses em comissão de serviço, ficaram divididas entre o poder rodesiano e a lealdade à coroa britânica.

 

 

 

A clivagem acentuou-se quando o governo rodesiano recorreu à contratação de mercenários oriundos das tropas americanas desmobilizadas da guerra do Vietname. O engenheiro Jorge Jardim percebeu a fragilidade do poder instituído na Rodésia e nunca o apoiou abertamente. À medida que passava o tempo, a indefinição dos militares ingleses que não aderiram à rebeldia de Iam Smith deu sinais de alguma inquietação entre as tropas portuguesas, já que prenunciavam um regime fraco e uma população sem convicções na realidade do país que era hostilizado pela maior parte dos seus vizinhos. Para agravar essa inquietação, os mercenários não passavam de ex-combatentes com passado duvidoso, que criavam frequentes conflitos com os colonos rodesianos, especialmente com os agricultores mais rudes, aumentando a clivagem entre as populações mais pacíficas. Se os mercenários eram contratados para melhorar a segurança das populações brancas, as suas atitudes arrogantes e conflituosas não estavam a agradar às autoridades rodesianas. Mas era um custo que teriam que suportar enquanto não tiverem o apoio de todas as forças militares de origem inglesa. Por enquanto, a Força Aérea Rodesiana parece estar com o governo de Iam Smith. Foi isso que constatámos com a chegada às pistas da Beira de quatro caças-bombardeiros e dois aviões Camberra, para apoiar a fraca esquadra de aviões de combate F-84 da nossa Força Aérea.

                                                                

        

 

                                                               Beira, Abril de 1966

Joaqui Coelho

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A PERPELEXIDADE DOS PLANOS

 

O sentimento patriótico está a degenerar num grave sentimento oportunista para os bem instalados na administração colonial, e pode conduzir à degradação das relações entre desiguais que labutam à míngua dos poderes obscuros, o que é extremamente desolador e frustrante para os mais moralizadores.

Por mais bem urdidos que sejam os relatórios oficiais sobre a situação da guerra, a realidade não pode ser encoberta por muito tempo; pois mais de metade das vitórias descritas nos comunicados oficiais são fictícias e incrivelmente pouco convincentes para a população. Inventam-se assaltos a acampamentos inimigos que nunca existiram; o pouco espólio de guerra resultante das operações de assalto é conseguido pela acção de tropas especiais e alguns grupos de tropas do Exército mais ousados, em alguns casos com uma boa dose de sorte; mas a ousadia conjugada com o azar tem custado uma desmesurada quantidade de militares mortos. Para um exército activo de mais de cinquenta mil homens, o material apreendido é demonstrativo de fracos resultados operacionais.

Aparentemente a guerra está perdida, não pelo fraco empenhamento das tropas no terreno, mas por outras razões muito objectivas e vergonhosas que se conhecem:

A corrupção económico-financeira é latente ao nível de alguns chefes administrativos; o desvio de dinheiros e de materiais para fora do circuito militar começa a ser notório em alguns sectores de apoio logístico às linhas da frente; o florescer dos novos empreendedores na construção civil está intimamente ligado à corrupção nas forças armadas coloniais; quantas vezes a mesma viatura pesada atingida pelo rebentamento de minas foi substituída por uma nova, sem que a nova chegasse ao seu destino - porque tinha sido desviada para trabalhos particulares dos oportunistas e corruptos. E o material de guerra, perdido por negligência ou desviado para outros fins, que tem sido abatido à responsabilidade dos militares que tiveram o azar de morrer nas zonas de guerra!

Qual poderá ser o moral de uma tropa de intervenção cujas estruturas logísticas fornecem a alimentação aos soldados a 24$00 por dia e aos cães a 32$00 por dia?...

E, que vontade de arriscar a vida podem ter os combatentes que palmilham centenas de quilómetros para assaltar um eventual acampamento inimigo, com resultados sem expressão, quando os poucos meios aéreos de apoio e para evacuação de mortos ou feridos andam a servir de recreio e na caça grossa, transportando os chefes de sector ou oficiais de operações?

Então, quando é sabido que em determinada zona de Cabo Delgado tem aumentado a perigosidade, com a restrição de meios de apoio, ninguém se afoita para avançar. Pois os exemplos de consequências trágicas são diversos, tal como numa operação a norte de Diaca, onde os oficiais de operações tinham indícios da existência de um acampamento inimigo e determinaram o avanço de três companhias de tropas especiais (pára-quedistas, fuzileiros e comandos) para o assalto. Os resultados foram desanimadores para tanta tropa em acção: apenas um machambeiro preso - tratava-se de um acampamento de apoio logístico a pessoal da Frelimo. E, três dias depois desta operação, determinaram que apenas uma companhia era suficiente para efectuar o reconhecimento do Vale de Miteda, e assaltar um acampamento da Frelimo lá existente. Mas já havia informações de prisioneiros, e os indícios de movimentos intensos na zona atestavam-no, que seria aí que estavam localizadas as principais bases dos guerrilheiros entre o rio Rovuma e o rio Messalo.

Para aí intervir, todos comandantes de companhia se retraíram e com alguma razão. Por incrível que pareça, a intervenção nessa zona foi entregue a uma só companhia! Foram os pára-quedistas que tiveram de avançar na operação com o objectivo oficial de encontrar e aniquilar os inimigos que se presumia estarem numa base operacional ali instalada.

Os responsáveis da logística do exército aproveitaram a passagem dos pára-quedistas pelo destacamento de Miteda para mandar quatro camiões de reabastecimento com alimentação e água; pois, nas duas tentativas anteriores com tropa do Exército, não chegaram ao destino, por efeito dos ataques do inimigo que, além de destruírem as viaturas e as respectivas cargas, ainda causaram alguns mortos e feridos à tropa.

E os pára-quedistas lá seguiram na sua missão, cuidadosos e avisados, fazendo o percurso apeados, nas zonas consideradas menos seguras, atentos às minas que pudessem estar no caminho e a quaisquer movimentos do inimigo. Feito o percurso de Mueda a Miteda sem percalços significativos, chegaram àquele destacamento ao princípio da noite. Na chegada, a ausência de pessoal nos postos de vigia causou alguma estranheza; mas não demorou a perceber-se o estado de espírito do pessoal ali destacado! Pareciam todos cacimbados a sair de dentro duma camarata coberta de chapa, onde as camas estavam abaixo do nível do terreno adjacente. Receberam os pára-quedistas como se fossem divindades estranhas, com rezas, abraços e choros, tal era o seu estado depressivo.

Pudera! Com os principais alimentos esgotados havia semanas, comiam batatas assadas na fogueira; de vez em quando, uma amostra de carne de algum bicharoco que ficava nas ratoeiras que os furriéis e um primeiro-sargento tinham montado fora do arame farpado. Ah! Ainda conseguiam comer algum pão que faziam com a pouca farinha que lhes restava. De resto, notava-se uma amarga agonia à espera do fim!

Pouco mais de uma hora depois da chegada, começaram a cair morteiradas na periferia do arame farpado, e a confusão foi inevitável. Os pára-quedistas procurando tomar posição nas trincheiras abertas por diversos lados, especialmente próximo da cerca de arame farpado, cruzando-se com os militares do destacamento local, mas muito poucos deles tomaram posição de defesa. O cabo apontador do morteiro de 80 toma posição e procura atingir o morro de onde sai o fogo inimigo; mas o inimigo está distante, não se ouvem tiros de espingarda. Toda a gente fica na expectativa, esperando não ser atingido pelos estilhaços dos rebentamentos das granadas inimigas. Terminado o espectáculo, apenas ficaram as sentinelas de vigilância, e os pára-quedistas procuraram animar os companheiros ali destacados e muito desmoralizados. O comandante da companhia ali destacada estava recolhido numa barraca construída num vão do terreno, com telhado de zinco, rezando o terço juntamente com outros militares; estes nem chegaram a pegar nas armas durante o ataque inimigo. Isso causou alguma perplexidade aos pára-quedistas, mas, nas conversas que se seguiram com os sitiados ficou clara a difícil situação de abandono e estagnação humana daquela gente.

Passada a noite, logo pela manhã, os pára-quedistas embarcaram nas viaturas que os transportaram para a zona do objectivo que lhes foi determinado. Três unimogues e uma Berliet serviram para esse transporte na direcção de Nangololo, numa distância aproximada de 30 quilómetros; um pelotão de Miteda manobrava as viaturas e asseguravam o seu regresso.

 

 

 

 

 

Já apeados e seguindo para norte da picada de Nangololo, entraram no temível vale de Miteda; pouco mais de quinhentos metros andados numa picada muito usada, ouviram-se os primeiros tiros, seguidos de rebentamentos de granadas. O cabo Fonseca logo comentou: “Lá estão os checas a experimentar as armas”. (Era frequente os apontadores da metralhadora MG ou Breda da viatura da frente abrir fogo para assustar o inimigo). A preocupação sobre o que teria acontecido aumentou quando, uns quilómetros mais à frente, foram interceptados três guerrilheiros vindos da direcção de onde provinham os tiros; o pessoal da secção da frente tentou agarrá-los à mão, evitando abrir fogo para não denunciar a presença da tropa; mas, para incerteza do futuro, apenas um foi apanhado com a respectiva arma. A partir dali, e com a fuga dos outros guerrilheiros, é certo e sabido que a missão estava mais dificultada; até porque o “efeito surpresa”, fundamental para o sucesso, tinha ido para o diabo.

Enquanto isso, os militares de Miteda sofriam mais um revés nas suas motivações para a guerra: não foram tiros dos “checas”, mas um inesperado ataque dos guerrilheiros que destruiu um unimogue e matou três militares, ferindo mais alguns.

Poucos dias depois desta tragédia, os pára-quedistas regressaram a Miteda, desolados e cabisbaixos, por não terem levado a missão a bom termo, porque a zona era dominada pelos guerrilheiros que não deram tréguas até emboscarem a nossa tropa donde resultou um morto e três feridos graves. Como um mal nunca vem só, ficaram ainda mais consternados ao tomarem conhecimento do ataque que atingiu as tropas de Miteda.

 

Mueda, Julho de 1966

Joaquim Coelho

in "A Guerra Armadilhada" - pedidos para: jotasousa39@gmail.com

 

 

 

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SINAIS DA DISCÓRDIA - Reclamação

 

O abandono da ideia de submissão cega ás leis e à ordem instituídas pelo poder de Lisboa, já não assusta nem é novidade. Nada engendramos que nos distancie do processo que encaixa dentro da realidade terrível da frustração que vai manipulando a nossa vontade prestativa de bons serviços à nação, longínqua e esquecida destes jovens que perdem os melhores dias da sua vida embrenhados nas matas de Angola. Os que comandam à distância fazem parte da hierarquia que esconde uma realidade social de parasitas acantonados por detrás da cobardia anónima dos ignorantes; facto que agrava as dores destes que se batem com azedume e tentam difundir a lucidez constatada na nojenta afronta aos que vão morrendo por causas ainda obscuras, cujos cadáveres servidos nos festins relaxantes como macabros troféus da ganância de lucros e de poder. Sabe-se que nas “festas sociais” alguns gabarolas chegam ao cúmulo de afirmarem que os mortos em combate são uma prova de que as tropas se batem com arreganho e empenho, mesmo até à morte; e a guerra é um sucesso!

  Nota-se uma crescente acção dos infiltrados na complexa engrenagem da administração, que tudo fazem para manipular os dados da verdade dos acontecimentos, enquanto a imagem da frustração se abate sobre nós, joguetes inocentes nesta guerra de interesses obscuros que não aceitamos mas que sentimos com amarga indignação.

  Passada a fase do reconhecimento e da reocupação das vilas e povoações afectadas pelas arrepiantes matanças de Março de 1961, abertas as vias de comunicação e consolidada alguma segurança nos itinerários para o interior norte de Angola, onde a tropa de engenharia tem dado muito do seu esforço e saber na recuperação de pontes e acantonamentos, começamos a constatar que uma corja de usurpadores, portugueses e estrangeiros, se vão instalando e acomodando nos pontos chave da administração pública e empresarial para melhor usufruírem das imensas riquezas destas terras. A impunidade campeia entre eles; as vantagens materiais são abusivas e os bens já nos escasseiam porque essa rede de malfeitores implantou teias que promovem os desvios desde os portos marítimos até aos armazéns da administração militar, com uma grande quantidades de produtos e equipamentos que nunca chegam aos seus verdadeiros fins. Sabe-se que diversos camiões carregados no porto de Luanda se têm perdido no itinerário até ao Grafanil, e também para o Úcua, Caxito e Fazenda Tentativa, sem deixarem rasto. E, quando se trata de reabastecimentos para o interior, até dinheiro do pré tem desaparecido, algumas vezes em hipotéticas “emboscadas” organizadas pelos próprios usurpadores dos bens surripiados. Não é aceitável que roubem a alimentação e os equipamentos que tanta falta fazem aos que passam dias e meses em constante sobressalto e inúmeros sofrimentos para defendem a honra da nação.

 

               

 

Não aceitamos que essa escumalha nos iluda nas suas andanças neste teatro de alienados destruidores de esperanças; pois, são eles os autores morais e materiais das maiores injustiças praticadas na nação portuguesas, com a agravante de fazerem dos militares as suas marionetas. O desaforo aumenta as angústias perante a morte e convida à evasão no fingimento do combate. Talvez esteja aqui a razão do agravamento da nossa revolta e da infidelidade às instituições; porque a repulsa contra os que nos manipulam é grande e nada abona que sujemos as mãos em massacres contra as populações indefesas, que vagueiam à míngua do mínimo de sustento que as lavras podem dar para a sua sobrevivência. Tememos que o mundo assim, asqueroso e a saque, nos possa sustentar a revolta, antes que chegue a degradante alienação colectiva.

  Não podemos esperar que os vermes se regenerem. A defesa da verdade é ponto de honra para não nos amotinarmos; é tempo da proclamação da liberdade que abrande o sofrimento dos povos inofensivos e nos tire deste atoleiro de ambiguidades, onde a morte nos espreita e nos pode ceifar a vida ingloriamente.

                                     

            Quitexe, Janeiro de 1962

Joaquim Coelho

in "O Despertar dos Combatentes" - pedidos para: jotasousa39@gmail.com

 

 


 

 

      NEBLINA VERDE

 

Há sempre uma estranha emoção

quando entramos em nova missão!

 

Ao longe, a Pedra Verde atemoriza;

seus cumes quase tocam as estrelas

e a primeira tentativa de incursão

deixa em nós uma ideia indecisa:

porque se amachucam as flores belas

que a persistente neblina em união

alimenta na verdejante encosta?

 

A distância para a conquista da colina

é uma paixão determinada e paciente;

os aviões bombardeiam sem resposta,

as bombas paridas do seu bojo

rasgam as rochas... esconderijos

e o fogo alastra no capim rasteiro

com gritos longínquos da morte.

 

Mordemos os lábios numa inquietação

  enquanto se aponta o morteiro

  no milimétrico tiro de sorte

para ajudar na diabólica devastação.

Rasgamos o caminho até ao covil,

contra o sol que se inclina embriagado,

e a vontade de silenciar o inimigo

faz-nos avançar no seu encalço

  mesmo correndo o grave perigo

  de sermos apanhados no percalço

das fatídicas emboscadas dos estupores.

 

A noite aproxima-se negra e sombria

  e mais se aguçam nossas dores...

alguns já dormem com a boca fria

e toda a caravana esmorece a praxe.

O arrojo alarga a perigosa viela

para os movimentos do Úcua-Quibaxe;

é como se abrisse mais uma janela

para passarem cargas de esperança,

nas viaturas da terrível caminhada,

em peregrina missão de bonança

até aos confins da encruzilhada.

 

             Quicabo, Junho de 1962

 

 

 

ANGOLA – ATAQUES À PEDRA VERDE

 

Demorou mais de hora e meia a caminhada em viaturas do Úcua até às proximidades do Piri. As tropas são apeadas e continuam a marcha durante mais duas horas, por entre ravinas e morros a norte de Quibaxe. A marcha rápida obriga as pulsações a purificar o sangue com mais vigor e o suor escorre pelas faces. Ainda se sente o cheiro das manhãs orvalhadas pelo cacimbo que as folhas seguram e nos servem para sorver as gotas que atenuam a sede.

As pernas começam a tremer e ainda mal se avistam os morros da Pedra Verde. Uma neblina em dispersão encobre a zona que a tropa pretende tomar de assalto, para atirar os bandoleiros da UPA para bem longe, de modo a evitar os constantes ataques às colunas de reabastecimento que passam para o norte. Depois da primeira tomada da Pedra Verde, esta é a segunda vez que a tropa tenta apoderar-se daquele reduto e esconderijo de terroristas.

Enquanto a aviação e a artilharia bombardeiam os morros, vamos comendo as rações transportadas nas mochilas, para assim ficar reduzido o peso para a subida da encosta. A água dos cantis, morna mas e desinfectada com o quinino para evitar o paludismo, vai sendo consumida gota a gota. Deitados no meio do capim e já na encosta a uns quinhentos metros dos morros, ouvimos os zumbidos das bombas dos PV2 e as explosões subterrâneas. Do outro lado, as tropas do Exército tentam a aproximação pelos escarpados das rochas, coordenando a acção via rádio.

Uma hora depois de acabaram os bombardeamentos, o fumo das explosões das granadas vomitadas pelos obuses de artilharia encobre parte dos morros. E nós saboreamos as últimas bolachas da Manutenção, bebemos os derradeiros goles de água e avançamos na luta até que a Pedra Verde seja nossa! 

Os comandantes de pelotão dispõem o pessoal nas posições previamente combinadas na reunião de oficiais e sargentos. As bazucas vão na frente e os homens das granadas a acompanhá-los; é preciso determinar bem os pontos de tiro para tentar enfiar as granadas dentro dos túneis abertos nas rochas. O capim é cada vez mais curto, o que nos deixa expostos ao fogo inimigo. O primeiro grupo avança pelas escarpas do lado esquerdo, tentando passar para posições viradas a Quibaxe, enquanto o segundo pelotão segue em linha para tomar o lado direito, ficando o terceiro pelotão na cobertura de fogo.

Já nas posições da íngreme encosta, as bazucas começam a sua acção de limpeza dos túneis e, com granadas certeiras, os rebentamentos dão-se bem dentro das entranhas da terra. As armalites cantam o tra-ta-ta-ta e começam a mandar os inimigos para o inferno. Rompemos por meios dos arbustos chamuscados e o cheiro a pólvora intoxica, mas os ânimos não esmorecem. Os primeiros a atingir os pontos altos, numa acção combinada entre dois pelotões, lançam granadas ofensivas para dentro das cavernas e nas escarpas mais suspeitas de abrigarem inimigos. E dos turras não há resposta! Tudo num sossego sepulcral.

Meia hora depois de iniciado o assalto, passam dois aviões T6 a baixa altitude, o que perturba a acção das nossas tropas. No longe da planície ouvem-se alguns tiros dos guerrilheiros que escaparam às bombas do ataque que a brutalidade da guerra obrigou a fazer e vão a caminho do norte. Em contacto rádio com os dois aviões, foram dadas as coordenadas para um possível bombardeamento aéreo contra os fugitivos. É importante que não escape nenhum, porque nesta zona e no itinerário para Quibaxe, há ataques semanais que causam baixas nas nossas tropas e destruição de viaturas militares e civis.

Vasculharam-se todos os sítios onde pudessem estar guerrilheiros da UPA, mas apenas meia dúzia de armas ligeiras e um morteiro de 81mm foram encontrados… os corpos feitos em pedaços ficaram à míngua das hienas e dos mabecos. Para alguns, só interessaram as carapinhas!

 

Úcua, Abril de 1962

Joaquim Coelho

 

 

 



 

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