Guerra colonial, Moçambique2
Jota.Coelho, 12.06.07
GUERRA DO PETRÓLEO 1
A ideia de uma federação de países governados por brancos fazia com que o Engenheiro Jorge Jardim se camuflasse de negro só para lidar com alguns negros influentes no espectro político da África austral, pelos quais nutria simpatia e veneração. O presidente Hastings Banda do Malawi era tido como elo de ligação para outros políticos da Zâmbia e do Tanganica, pelo que a confiança do engenheiro Jorge Jardim chegou ao ponto de ser o cônsul do Malawi. Esta situação não era bem vista pelo presidente da Rodésia do Sul, Iam Smith, que pretendia agradar aos intuitos políticos do Engenheiro Jardim, só porque a manutenção das vias de reabastecimento em mercadorias, por via do Porto da Beira, e o petróleo pelo pipe-line de Chimoio eram fundamentais para a manutenção da independência contra a Inglaterra.
O diferendo com a coroa britânica deve-se à sua ousadia em cortar os laços do poder que a Inglaterra tentava manter na sua colónia rebelde. A última reunião entre Iam Smith, primeiro-ministro da Rodésia do Sul, e Alec Douglas-Home do governo britânico, realizada em Novembro de 1965, terminou com o fim de seis anos de negociações e deu origem à declaração unilateral da independência da Rodésia, apoiada pelos governos da África do Sul e de Portugal.
Entre as sanções decretadas pelas Nações Unidas, está o bloqueio aos portos da Beira, para o que a esquadra inglesa destacou uma frota de navios de guerra, incluindo um porta-aviões. Por isso mesmo, os portugueses estão a sofrer consequências gravosas em termos de movimento de navios na costa moçambicana. Situação que se agravou em Março de 1966, quando o navio de petróleo “Ioana V” conseguiu furar o bloqueio e entrar no porto da Beira para descarregar petróleo para a Rodésia. Este facto fez empolar as relações entre Portugal e a Inglaterra, com os ingleses a ameaçar desembarcar tropas na zona de costa periférica ao porto da Beira. Esta situação provocou algum temor nos chefes militares portugueses que ordenaram a confluência de grande quantidades de efectivos militares na zona, com vista a enfrentar as tropas inglesas que tentassem o desembarque.
Para quem estava no terreno, essa retaliação contra as tropas inglesas seria mais um desastre para Portugal, tal era o poderio militar inglês estacionado ao largo da costa da Beira. Os nossos pilotos, que observaram a esquadra marítima, perceberam que os nove navios, entre os quais três fragatas bem armadas e um porta-aviões com mais de sessenta caças-bombardeiros, tinham tal poder bélico que as nossas tropas seriam dizimadas em menos de 48 horas de combates. Nem o Engenheiro Jorge Jardim percebeu isso, porque se manteve na serenidade das suas reservas administrativas em diversas empresas moçambicanas. Mas as nossas tropas posicionaram-se nas ilhotas e zonas pantanosas da costa, colocaram meia dúzia de baterias anti-aéreas nos pontos mais “sensíveis”, tais como a Base Aérea 10; os pára-quedistas colocaram explosivos nas pistas de aterragem, prevendo accioná-los se algum avião inglês tentasse aterrar. Abriram-se trincheiras e abrigos ao longo das pistas principais e montaram-se tendas de campanha para as tropas que ali permaneceram alerta de Março até Outubro de 1966.
Enquanto isso, o primeiro-ministro rodesiano, Iam Smith, tentava serenar os políticos negros, dando-lhes uma pequena representação no parlamento, cerca de 30% de lugares para cinco milhões de negros, tendo os brancos 70% dos lugares para duzentos e cinquenta mil brancos. Toda a população branca, entre os quais muitos agricultores e fazendeiros, apoiou a rebeldia do senhor Iam Smith; mas as forças armadas, compostas por militares ingleses em comissão de serviço, ficaram divididas entre o poder rodesiano e a lealdade à coroa britânica.
A clivagem acentuou-se quando o governo rodesiano recorreu à contratação de mercenários oriundos das tropas americanas desmobilizadas da guerra do Vietname. O engenheiro Jorge Jardim percebeu a fragilidade do poder instituído na Rodésia e nunca o apoiou abertamente. À medida que passava o tempo, a indefinição dos militares ingleses que não aderiram à rebeldia de Iam Smith deu sinais de alguma inquietação entre as tropas portuguesas, já que prenunciavam um regime fraco e uma população sem convicções na realidade do país que era hostilizado pela maior parte dos seus vizinhos. Para agravar essa inquietação, os mercenários não passavam de ex-combatentes com passado duvidoso, que criavam frequentes conflitos com os colonos rodesianos, especialmente com os agricultores mais rudes, aumentando a clivagem entre as populações mais pacíficas. Se os mercenários eram contratados para melhorar a segurança das populações brancas, as suas atitudes arrogantes e conflituosas não estavam a agradar às autoridades rodesianas. Mas era um custo que teriam que suportar enquanto não tiverem o apoio de todas as forças militares de origem inglesa. Por enquanto, a Força Aérea Rodesiana parece estar com o governo de Iam Smith. Foi isso que constatámos com a chegada às pistas da Beira de quatro caças-bombardeiros e dois aviões Camberra, para apoiar a fraca esquadra de aviões de combate F-84 da nossa Força Aérea.
Beira, Abril de 1966
Joaqui Coelho
in "A Guerra Armadilhada" - pedidos para: jotasousa39@gmail.com
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