Quem Comanda... sou eu. - Desobediência!
Jota.Coelho, 01.12.23
A Calma perante o Perigo foi a Salvação
A serenidade e a calma são as melhores armas para nos protegerem em circunstâncias complicadas da vida. Porque as decisões ponderadas são as mais assertivas.
O episódio ocorrido numa emboscada dos guerrilheiros “frelimos” a um grupo de combate composto por cerca de 40 Paraquedistas, após o assalto e neutralização de um acampamento inimigo situado a sul de Nangade-Cabo Delgado, demonstra as complicadas decisões de comando em situações extremamente perigosas. Conforme descrito no “documentário” da Camões TV-Canadá, que pode ser visto clicando na imagem abaixo, a experiência do sargento Coelho, em situações de guerra, em Angola, foi fundamental para evitar graves danos nas nossas tropas.
Lamentavelmente, a Camões TV - Canadá desativou os links para os episódios sobre a Guerra Colonial!
Parte do tema está nos textos do Blog...
“A desobediência às ordens do comandante, frente ao inimigo, pode ser punida com a morte do militar desobediente, por fuzilamento” – código de justiça militar antigo. Pois, foi esta situação que esteve iminente, caso o desfecho não fosse abortado. Mas a retaliação veio mais tarde.
DESOBEDIÊNCIA ACERTADA
Era mais uma missão da terceira semana em acções de reconhecimento e limpeza na zona operacional de Napota, uns quilómetros a Sul de Mutamba dos Macondes, onde foram recolhidos cerca de trezentos e vinte habitantes e aprisionados sete guerrilheiros. Juntamente com meia dúzia de armas, toda aquela gente foi entregue aos cuidados da companhia de Engenharia de Nangade.
Parecia uma operação rotineira, por entre os trilhos usados pelos guerrilheiros da Frelimo para reabastecerem as suas bases do vale de Miteda até Nangololo. Por coincidência ou por perícia, até agora, nunca houve recontros armados nem sinais de emboscadas, apesar de termos avistado duas patrulhas na recolha de água do mesmo poço, único num raio de dez quilómetros, onde também nos servimos da preciosa água.
Desta vez, assaltámos as instalações de uma antiga serração de madeiras transformada em base de apoio logístico e administrativo aos homens da Frelimo. Bem escondida dentro da mata, foi detectada por acaso. Depois de tomados os três trilhos de acesso e uma picada obstruída com várias árvores derrubadas, as três secções do primeiro pelotão, reforçado com mais uma secção, tomaram o controlo das entradas e saídas, evitando a fuga dos frelimos; o pessoal do terceiro pelotão tomou de assalto todas as instalações e palhotas e aprisionaram um secretário e três guerrilheiros, bem como nove habitantes do apoio logístico – mulheres e crianças. Não foi disparado um único tiro, porque todos eles levantaram os braços a pedir clemência! Mas, logo vimos vários guerrilheiros armados que se escapuliam por detrás das palhotas para a mata. Abrimos fogo na sua direcção… Estavam muito assustados pela surpresa do assalto. Foram recolhidas duas armas automáticas e alguns utensílios de trabalho nas machambas. Como de costume, as mulheres e crianças tinham que nos acompanhar.
Sem perder tempo, fez-se um interrogatório preliminar aos quatro prisioneiros mais importantes, mas estes mostraram pouca vontade de colaborar, apesar da ameaça do cinturão do cabo Martins. Só o secretário, que não era maconde, deu algumas informações que permitiram encontrar mais dois pequenos redutos de apoio logístico à guerrilha.
Por acordo entre os comandantes de pelotão e secção, os mais de quarenta combatentes dividiram-se em dois grupos de combate autónomos, ficando um deles no terreno para procurar e desmantelar os ditos acampamentos da Frelimo, enquanto o outro grupo conduzia os prisioneiros e o respectivo material para o nosso acampamento em Napota.
Aproximava-se o meio-dia quando partimos de regresso com as definidas missões. O meu grupo, avançou para um dos objectivos indicados pelo prisioneiro, localizado a norte da ribeira de Munga, cortando o caminho por entre brenhas e capim, de modo a evitar possíveis emboscadas nos trilhos. Na proximidade das sanzalas foi feito o ponto da situação e logo passámos ao assalto… ficámos surpreendidos com o resultado da nossa acção: mais três guerrilheiros, seis mulheres e cinco homens idosos foram aprisionados. Os guerrilheiros não tinham as armas junto deles, pois estavam a reabastecer-se de alimentos, e não ofereceram resistência. Até já duvidávamos de tanta facilidade numa zona considerada perigosa para as nossas tropas.
O sol, que atestava forte em cima das nossas cabeças, e a sede, sempre difícil de controlar, retiravam alguma lucidez ao comportamento do pessoal. Com a ansiedade a aconselhar o percurso mais arborizado e mais curto em direcção ao nosso acampamento provisório, seguimos um trilho que nos levou até ao vale com bastante vegetação. Alguns elementos da equipa do cabo Santos, que seguiam na frente da coluna, perceberam que os trilhos estavam muito desgastados pelo movimento de pessoas. O sargento Coelho preveniu o seu pessoal para as possíveis consequências por entrarmos no vale sem grandes condições de visibilidade, onde os guerrilheiros poderiam surpreender e atingir a nossa tropa. A estranha passividade demonstrada depois da destruição dos seus redutos começava a inquietar parte do grupo. Os prisioneiros que nos acompanhavam, atados com cordas, também davam indícios de agitação. Entre cada cinco dos nossos combatentes seguia um inimigo aprisionado – situação que nos causava algum desconforto e receio. Mas tudo parecia demasiado fácil e normal naquela caravana.
O alferes estava radiante com a sua primeira missão como responsável pela orgânica do assalto ao acampamento inimigo! Essa alegria depressa esmoreceu, porque a inexperiência aliada à excessiva confiança só pode redundar em fracasso, quando não em fatalidade… e não demorou uma hora para acontecer o inesperado desenlace; sem nos darmos conta, ficámos encurralados no fundo do vale, à mercê dos tiros das armas inimigas. Momentos antes de entrarmos no vale, o sargento Coelho havia sugerido ao alferes uma alternativa mais segura… seguir a corta-mato antes do morro, evitando contorná-lo pelo vale!
No fundo do vale, a vegetação do lado direito era densa e verde e com árvores bem entroncadas; mas, do lado esquerdo só havia arbustos e capim entremeado por uma brenha impenetrável… e foi daí que saíram os primeiros tiros de armas inimigas. Em poucos segundos instalou-se a confusão entre os prisioneiros que tentavam escapulir-se. Enquanto os soldados se abrigavam das balas inimigas, os três guerrilheiros tentaram a fuga por entre as árvores da encosta do lado direito; as folhas que iam caindo sobre as nossas cabeças já nos diziam por onde passavam as balas. A equipa do cabo Santos e a secção do Vicente, tomaram posição para se defenderem de eventuais guerrilheiros que viessem da frente. Outros abrigaram-se junto das pedras em forma de muro que estavam no lado direito do trilho.
Precipitadamente, o alferes Arménio deu ordens a uma das equipas do sargento Coelho para perseguir os três foragidos que se escapavam mata dentro. Apercebendo-se do efeito do impacto das balas nos troncos das árvores e vendo a poeira que faziam ali mesmo na sua frente, por onde o alferes ordenava a perseguição aos foragidos, o sargento Coelho contrariou aquela ordem, indicando aos seus homens para flagelarem os fugitivos mas, continuando a proteger-se junto das pedras. Olhando o alferes de frente, protestou energicamente contra uma ordem inadequada e que poderia ter como resultado a morte de alguns dos seus comandados. Não fossem os esporádicos tiros das armas, tudo parecia serenar quando o alferes virou a AR-10 na direcção do sargento Coelho e, numa posição ameaçadora, sentenciou:
- Aqui, quem manda sou eu e quem desobedecer leva já um tiro! Mande o seu pessoal subir o morro e flagelar os inimigos…
Por instantes, os que presenciavam a caricata cena temeram que o alferes cometesse alguma loucura, levando a situação para um desfecho dramático, uma vez que denotava um total descontrolo emocional – já não bastava a posição crítica em que nos encontrávamos, debaixo de fogo inimigo, aparecia agora mais um problema de pontos de vista antagónicos, quando estavam em perigo mais de três dezenas de combatentes.
O sargento Coelho, já veterano da guerra em Angola, embora em apuros, manteve a calma, deixou-se escorregar no capim e encurtar a distância que o separava do alferes. Com um golpe certeiro e eficaz, bateu com o coice da sua arma na mão direita do alferes, atirando-lhe a AR-10 por terra. Num ápice, enquanto o sargento Coelho deitou a mão à arma, dois dos soldados mais próximos manietaram o alferes que, ao ver-se impossibilitado de reagir, proferiu algumas palavras de ameaça, mas submeteu-se à força dos músculos. Enquanto isso, as armas inimigas não paravam de matraquear e os três turras deram à perna… sem ninguém lhes por mais a vista em cima.
Resoluto e apoiado pelos homens do pelotão e pelo seu adjunto cabo Martinho, o sargento Coelho ordenou ao cabo Santos que atasse uma corda às mãos do alferes Arménio e que tomasse conta dele; deu instruções para as equipas da retaguarda tentarem subir ao morro e flagelar os guerrilheiros. O sargento Figueira concordou com o Coelho nessa tentativa para desalojar os frelimos daquela posição de domínio sobre o terreno, por ser a única forma de sairmos dali sem sofrer baixas.
Tantos e inesperados acontecimentos ocorridos em poucos minutos, obrigaram a uma pausa para organizar a defesa e encontrar maneira de sair daquele buraco sob o fogo inimigo. Rastejando mais para trás, o sargento Figueira, com os seus, incumbiu-se de desalojar os guerrilheiros, os quais se viram obrigados a mudar de posição e melhorarem a sua defesa. Esta manobra deu oportunidade para a secção do sargento Vicente avançar umas vantajosas dezenas de metros e tomar posição em local propício para atirar sobre o morro onde estavam os guerrilheiros. Assim, num esforço conjugado entre os homens da frente e os da retaguarda, a coluna pode correr com os frelimos e reorganizar-se para continuar a marcha até ao acampamento. Aqueles quarenta minutos pareceram horas, tal a inquietação que nos afrontava perigosamente.
Cabisbaixo e despido do poder de comando, o alferes não perdeu a postura perante a determinação do resoluto sargento Coelho. Mas, em tom de aviso, sempre foi dizendo que a desobediência é caso muito grave, sujeito a “conselho de guerra”, quando cometida em frente ao inimigo. Nas duas horas que demorou o resto do percurso, ninguém se preocupou com as consequências do desentendimento entre aqueles dois chefes, apesar das palavras ameaçadoras do alferes; porque o sargento Coelho apenas concentrava a atenção na forma de conduzir o grupo de homens até ao acampamento de Napota.
Para grande parte daqueles combatentes, este episódio só veio atestar a filosofia do sargento Coelho perante esta guerra:
"Aqui, no meio do mato, o poder está nas nossas mãos. Quando embrenhados na mata de armas na mão e sujeitos aos perigos da guerra, só pudemos contar connosco; como tal, a nossa sobrevivência depende das nossas decisões e determinação em as concretizar; e os nossos actos dependem apenas da nossa consciência, porque estamos longe dos mandantes e dos governantes.”
A meio da tarde, entrámos no reduto onde as palhotas servem de arrecadação dos alimentos e do material de apoio; as viaturas Berliets aguardam o fim desta nossa intervenção de reconhecimento e limpeza da zona. Entretanto, até ao regresso a Mueda, as trincheiras e abrigos subterrâneos conservam a frescura para acolher os combatentes.
Ciente das responsabilidades que assumiu, o sargento Coelho mandou desatar as mãos do alferes, entregou-lhe a arma (sem carregador) e acompanhou-o até junto do comandante de companhia, capitão Mascarenhas Pessoa, a quem deu conhecimento provisório do ocorrido. O resto do pessoal tratou das formalidades habituais quanto à recolha de população, entregando-a aos cuidados da guarda à palhota onde os mesmos pernoitam até serem entregues no quartel de Nangade. O enfermeiro inteirou-se dessas pessoas e tratou de curar algumas feridas bem visíveis nos pés dos mais velhos; por sinal, estavam a sofrer com a lepra que lhes ruía as carnes, um grande flagelo que causa danos irreversíveis em parte da população.
O comandante da companhia reuniu todos os oficiais dentro da palhota do posto de rádio. De semblante carregado, quis saber pormenores e analisar as consequências da desobediência do sargento Coelho. Cá fora, as praças rondavam o local da reunião e mostravam a sua inquietação por temerem que o sargento Coelho fosse alvo de alguma punição. Pois, estavam cientes de que aquele acto de desobediência foi providencial para evitar uma tragédia sobre grande parte dos homens protagonistas daquela missão, com a perda de vidas. Agora, mais a frio, compreendiam que a situação era verdadeiramente complicada para o sargento. Foram poucos os que quiseram pronunciar-se sobre assunto tão melindroso. E todos aceitaram uma acareação entre o sargento Coelho e o alferes Arménio, os dois protagonistas daquele facto inadequado dentro da hierarquia duma tropa especial. Por sugestão do capitão e com a concordância dos presentes, não haveria qualquer acção disciplinar e tudo ficaria encerrado ali mesmo. Tal decisão foi bem aceite entre o restante pessoal da companhia. Aparentemente, parecia que tudo estava sanado, quanto à vertente disciplinar; mas, há sempre alguém incapaz de conter a sua raiva… que se veio a manifestar mais tarde, e com severidade desmesurada do tenente Castro Gonçalves.
As missões continuaram nos dias seguintes, mas outras situações bem mais dramáticas e com perdas de vidas se abateram sobre aquele grupo de homens que apenas queriam cumprir um dever que lhes impunham. Nem sempre entendemos as razões que a desobediência desconhece e que o bom senso determina.
Regresso a Mueda, 45 dias depois da saída...
CONSEQUÊNCIAS:
Ora, dois meses depois deste acontecimento, a companhia de Paraquedistas foi destacada para assaltar um acampamento inimigo próximo do Vale de Miteda, sob o comando do tenente Castro Gonçalves; o sargento Coelho não concordou com a determinação de liquidar todas as pessoas que fossem encontradas, incluindo mulheres, velhos e crianças. Mais uma vez, considerado desobediência às ordens, pelo que foi sujeito a Processo disciplinar e aprisionado num Fortim da Ilha do Ivo, até ser aceite o "Inquérito" mandado instaurar pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, a pedido do sargento.
O tenente da FAP Silva e Sousa, chefe da secção de Justiça, pediu voluntários para testemunhar, tendo aceite 40 dos 156 que se apresentaram a favor do sargento Coelho; pois, o sargento estava considerado um bom comandante operacional, pessoa prestável à generalidade dos seus camaradas de armas, distinto repórter de guerra e mereceu esse reconhecimneto por parte dos que testemunharam a seu respeito.
Durante o "Inquérito militar", o sargento Coelho foi incumbido de reabastecer o pessoal da Companhia em operações no norte de Moçambique - missão que cumpriu a contento de todos, com esmero na qualidade da alimentração e prontidão no reabastecimento de rações de combate com boa regularidade, bem como apoio logístico e na recuperação de feridos em combate.
Seis meses depois, o sargento Coelho foi chamado ao gabinete do comandante tenente-coronel Argentino Seixas e, na presença dos capitão-capelão Martins, tenente Castro Gonçalves, chefe da secretaria do Comando major Alegria Ribeiro; o tenente Silva e Sousa, chefe da Secção de Justiça, leu o Relatória das conclusões do "Inquérito", considerando o sargento Coelho ilibado de culpas, pelo fracasso da dita operação militar. O Comandante e o Capelão Martins abraçaram o sargento Coelho, eufóricos por se ter evitado um "conselho de Guerra" para julgar tal processo.
Assim, o sargento Coelho voltou à sua vida normal de operacional, repórter e professor dos militares que se propunham ir a exames no liceu Pero de Anaia, da Beira, onde algumas dezenas completaram os 1º e 2º cíclos liceais, melhorando as suas capacidades de emprego quando regressassem à vida civil.
FORTIM DA ILHA DO IBO – PRISÃO POLÍTICA
Ao ver a imagem deste fortim não pude conter a emoção que me tocou fundo por lá ter estado detido durante uma semana no ano de 1967. No decorrer de uma missão operacional a Sul de Antadora-Diaca, depois de ouvir as instruções do novo comandante de companhia: “vamos assaltar um acampamento onde pernoitam elementos da Frelimo, onde vivem famílias que os apoiam na logística, e tudo que mexer é para abater. Não vamos fazer prisioneiros, mesmo da população civil”. Como é sabido, os Pára-quedistas eram rigorosos e eficazes no cumprimento das missões de combate, mas não dizimavam população civil, especialmente mulheres e crianças.
Os murmúrios de descontentamento ouviram-se entre o pessoal da companhia; isso deu-me o ânimo suficiente para organizar o boicote à conclusão de tal assalto. Uma noite de chuva intensa ajudou a retardar o andamento da coluna que deveria estar nas proximidades do dito acampamento pela madrugada. Estando eu a recuperar dum ferimento sofrido na coxa esquerda, aquando duma emboscada no Vale de Miteda, por causa da fricção da farda molhada, comecei a ressentir-me e originei diversas paragens para ser socorrido pelo enfermeiro Armindo. Chegados ao local apropriado para preparar o assalto, a ribeira do Nango, afluente do rio Muera, estava caudalosa e impedia a passagem para o outro lado, onde estava localizado o dito acampamento. Vimos muitos sinais da presença de pessoas, mas nada mais foi encontrado.
A primeira missão do Tenente resultou num fracasso operacional. Fui acusado e ameaçado com processo disciplinar e tribunal de guerra.
Regressados a Diaca, acantonámos no Sagal onde estava o médico da companhia que me receitou diversos medicamentos para minorar a infecção que tinha na perna. Enquanto recuperava, outras missões foram levadas a cabo pela companhia, sem a minha presença.
Após dois dias do regresso ao BCP31-Beira, fui informado pelo oficial de justiça (tenente da FAP Silva e Sousa, mais tarde meu camarada na Siderurgia Nacional) que tinha uma grave acusação com vista à minha detenção até que fosse concluído o processo disciplinar. Aproveitei os meus conhecimentos das Leis militares para elaborar uma exposição dirigida ao Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, tendo entregue uma cópia ao comando do Batalhão, mas só o fiz no dia seguinte ao registo da carta nos correios da Beira. Pois, corria o risco da carta ser interceptada antes de seguir ao destinatário.
Dois dias depois, pelas dez horas da noite fui detido no meu local de alojamento provisório (arrecadação de material de guerra do batalhão de que era responsável), onde trabalhava em fotografia. Pelas quatro da manhã embarquei num avião Nordatlas com destino a Porto Amélia, com escala em Nacala, escoltado por um oficial pára-quedista e dois agentes da PIDE; seguimos de barco até um fortim-prisão na ilha do Ibo, onde fiquei sozinho; deixaram uma manta, que me serviu de protecção durante as noites – transportei comigo uma cama portátil que, meses antes, tinha comprado a um soldado americano que entrevistei na Rodésia do Sul (era mercenário, veterano do Vietnam).
Não havia água, mas saltava o muro e tinha o mar; pelo meio-dia, tinha a visita de uma patrulha do Exército, deslocada em Unimog, que deixava um prato com alimentos quentes, um cantil de água e uma ração de combate para três dias! Fazia meditação e escrevia num caderno escolar – pensava na vida… com esperança.
Por outros casos antecedentes, receei pela minha vida. E não fora a boa aceitação da exposição que enderecei ao Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, que deu origem a um longo e complicado processo de averiguações, onde cerca de 40 testemunhas, escolhidas dum grupo de mais de 150 que se dispuseram a defender-me, não sei o que teria sido o futuro da minha vida.
Joaquim Coelho
NOTA:
Narrativa inscrita no Livro "Estilhaços" - Edições Sentinela